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Críticas

Cineplayers

‘Dramédia” de roteiro comum que emociona e cativa graças ao gracioso entrosamento entre suas duas protagonistas.

7,0
Falar sobre câncer em Hollywood já se tornou pedante, para não dizer banal. Apesar de, por si só, esta já ser uma temática delicada e que exija certa sensibilidade quando filmada para a tela grande, certos títulos chegaram para transformar a abordagem num quê de apelação, sempre resvalando para o típico sentimentalismo fácil de projetos que, em sua maioria isentos de emoção genuína, inserem o assunto em meio a histórias já cansadas, personagens inócuos e diálogos que apenas ressaltam o desespero em arrancar lágrimas do público. E se neste momento você acha que filmes como Um Amor para Recordar e A Culpa é das Estrelas estão inseridos neste infeliz meio, saiba que você não está errado.

Não obstante o fato de que Já Sinto Saudades aborda esta temática que, no cinema, já desperta certa desconfiança, a diretora Catherine Hardwicke, do excelente Aos Treze, já se encontrava desacreditada em meio aqueles que apostavam no potencial da diretora, ainda mais após o famigerado primeiro episódio de Crepúsculo e o risível A Garota da Capa Vermelha. Mas com a cara e a coragem, Hardwicke veio para o Brasil divulgar seu novo projeto, que foi exibido durante o Festival do Rio e arrancou elogios que começaram a despertar interesse pelo projeto. Tendo estreado oficialmente no circuito comercial, Já Estou Com Saudades pode finalmente ser atestado como um sopro de vivacidade a um já cansado tema, esbanjando uma inesperada e mais que agradável naturalidade ao retratar o que é, para duas pessoas próximas, conviver com a morte iminente.

Isso porquê a trama de Já Sinto Saudades nem ao mesmo faz questão de escapar do básico. Milly (Toni Colette) e Jess (Drew Barrymore) são amigas desde a infância e sempre compartilharam todos os momentos juntas. Já na casa dos 40, com ambas casadas (Milly possui dois filhos, enquanto Jess encontra dificuldades em engravidar), Milly descobre que está com câncer de mama, e todo o restante da metragem será sobre o impacto desta descoberta na sua vida e de todos ao seu redor.

Obviamente, o principal foco do roteiro será em como as duas amigas irão levar a vida até a partida iminente de Milly (acredite, isto não é um spoiler) e, neste ponto, há de se destacar o maniqueísmo inicial do roteiro, assinado pela estreante na função Morwenna Banks, onde essa faz questão de criar, sem qualquer pudor, opostos entre as duas amigas que irão, em algum momento, dramatizar ainda mais a situação. Jess, em certo ponto, irá finalmente conseguir engravidar, logo após Milly descobrir sobre sua doença, o que irá acarretar um choque de realidade entre as duas. Tal artifício soa banal quando esse atrapalha a fluidez do drama da doença, como se ele, por si só, já não fosse suficientemente pesado para emocionar o público. A roteirista também peca ao pouco desenvolver a profundidade da afinidade entre as amigas, acreditando que uma simples narração em off com algumas imagens da infância/juventude das personagens já será suficiente.

O que dribla esse detalhe preguiçoso do roteiro é justamente a química e sintonia entre Colette e Barrymore. Se conseguimos acreditar na força da amizade entre Jess e Milly, é graças ao entrosamento gracioso das duas atrizes, que sabem como cativar e emocionar o público cada uma em sua própria dosagem. Barrymore, apesar de reprisar um papel já interpretada pela própria diversas vezes, consegue despertar a simpatia do público graças à meiguice e imenso carisma da atriz, que apesar de em certos momentos sofrer com o roteiro lhe conferindo o segundo plano, convence como a amiga que precisa ser forte e emocionalmente estável para acolher sua companheira de infância, ao mesmo tempo que precisa lidar com uma iminente mudança de vida a sua frente. 

Já Toni Collete, sorridente e feliz de início, mas logo despida de qualquer glamour, defende sua personagem com garra, conseguindo transmitir com competência a dificuldade que é, para uma mulher (ainda mais uma vaidosa) perder seus cabelos, ter que retirar os seios e sentir aquela angústia de não saber se permanece sendo desejada ou não. E apesar da diferença de peso entre as duas personagens, jamais podemos dizer que uma chega a engolir a outra, já que os grandes momentos do longa são sempre protagonizados pelas duas atrizes em cena, como quando Milly precisa cortar seu cabelo e comprar uma peruca, ou quando ela mostra para Jess seu peito após a cirurgia de remoção mamária.

E Hardwicke é feliz ao não se deixar levar somente pelo melodrama fácil, optando por injetar uma boa dose de humor inesperado, mesmo nas cenas de tom mais pesado. E por mais que a diretora não encontre equilíbrio entre os dois gêneros em alguns momentos, na maioria do tempo seu olhar é bem dosado em cima dos choros e das risadas, permitindo que um complemente o outro, jamais aliviando o sentimento de urgência e desespero da situação de Milly. A diretora também acerta ao trabalhar com a câmera bem próxima dos personagens, e por mais que tal recurso soe excessivamente televisivo às vezes, é bastante funcional em momentos que acompanhamos o cotidiano mais íntimo dos rostos na tela (a primeira cena entre Milly e seu marido, logo após este receber a notícia, na cama, é um bom exemplo dessa funcionalidade).

Talvez por sua narrativa de acontecimentos previsíveis, o desfecho de Já Sinto Saudades seja exatamente aquele que esperamos desde o início, e os próprios minutos finais pecam ao formarem o único instante em que Hardwicke, de fato, foge do peso da história. Mas é graças ao delicioso entrosamento da diretora com seu elenco, em especial suas duas atrizes principais (talvez por ser um projeto quase que inteiramente comandado por mulheres, os homens ganham pouco tempo em cena, gerando até mesmo um momento cômico um tanto deslocado entre eles), que Já Sinto Saudades consegue passar por cima de seu maniqueísmo descarado e arrancar risos e lágrimas do público devido à surpreendente naturalidade com que a história é guiada. E se não há nenhum detalhe em meio a tudo que irá trazer alguma inovação para a abordagem, ao menos o filé nos traz aquilo que está em falta nas histórias sobre câncer: honestidade.

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