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Críticas

Cineplayers

Contado de trás para a frente, conheça esse chocante filme que fala sobre temas como estupro.

8,0

Observação: Aviso desde o início desta análise que foi impossível evitar maiores "spoilers" a respeito da obra. Leia por sua conta e risco, caso ainda não tenha visto a produção.
 
Incômodo. Se tivéssemos que escolher apenas uma palavra para descrever Irreversível, com certeza, a palavra escolhida seria "incômodo". Ou então poderíamos utilizar palavras similares como intrigante e chocante. Entretanto, incômodo, como você irá perceber ao longo desta análise, nada tem a ver com a possibilidade que o filme de Gaspar Noe seja uma película ruim, muito pelo contrário. Chocante porque a produção possui duas tomadas (seqüências) fantásticas que já entram para a história do cinema devido a forma de como foram gravadas e, também, claro, pela coragem de Noé em gravar essas seqüências. Acredite, elas são muito difíceis de serem até mesmo assistidas. Intrigante, óbvio, pelo modo como a película fora filmada; edição fantástica, brilhante. E ela que faz o filme.
 
Intrigante

Irreversível pode parecer estranho desde seu primeiro minuto de exibição. Claro, afinal, que tipo de filme começa pelo final? Sim, literalmente pelo seu final, com a exibição dos créditos e o que é pior, com as letras invertidas... Sim, como se você estivesse tentando ler os dizeres da sua camiseta na frente do espelho. E o filme assim se segue, contando a história do fim ao seu início. A história é bem simples: Um homem ao ver que sua namorada foi violentamente estuprada e logo depois assassinada, parte em busca de vingança. A edição do filme é fantástica; fruto da excelente direção de Gaspar Noe. O posicionamento da câmera pode atrapalhar alguns no início, mas depois, o público acostuma-se e entende que quando a câmera gira bem de forma desfocada, surreal. Isso indica que um retrocesso acabou de ocorrer na história (ou avanço como queiram), mas é a forma que Noe achou para passar ao público que agora estaríamos presenciando uma nova seqüência. Entretanto, também no início do filme (ou a seu final), a câmera não foca a pessoa centralizada em sua tela, o que pode gerar certo desconforto em certos tipos de pessoas, não é a toa, e não é de se espantar, que metade das pessoas que começam a assistir Irreversível param pela metade, o que é um grande erro.

Mas o modo de filmagem de Gaspar, que a princípio pode parecer confuso, depois se torna o principal atrativo do filme, uma vez que a história é bem simples mesmo, mais para frente trataremos disso. Irreversível é o primeiro grande filme do francês Gaspar Noe, que gravara antes apenas três películas francesas que pouco chamaram atenção, entretanto, o diretor provou ter muito talento mesmo... Fico bobo só de imaginar o que não sairia de um projeto bem bolado escrito por alguém como David Lynch e dirigido dessa forma, brilhante, como Gaspar conduziu Irreversível.
 
Um extintor & Um estupro

Bem, Noe, ao mesmo passo que é brilhante ao compor a edição de Irreversível, não economiza no nível de realidade e detalhes de suas principais tomadas violentas na película. A primeira delas acontece logo na segunda tomada do filme, quando o personagem Pierre (Albert Duponel, ator francês) ao defender seu amigo Marcus (Vincent Cassel, de Elizabeth) em uma boate gay, arrebenta e faz um enorme estrago mesmo na face do agressor de Marcus com um extintor. A tomada mostra por completo a deterioração completa do rosto do agressor. Claro que a cena só foi filmada com uma boa ajuda da "velha" computação gráfica. É uma cena muito difícil de ser assistida. Aliás, é mais do que recomendável que você não coma enquanto assista a Irreversível (experiência própria)...

Talvez mais fenomenal que a cena do extintor, só mesmo a cena do estupro, envolvendo ninguém menos que a talentosa Mônica Bellucci (de Matrix Reloaded e Matrix Revolutions). Ela realmente entra para a história do cinema como uma das cenas de sexo mais tórridas já gravada, ao lado da cena de Halle Berry e Billy Bob Thorton em A Última Ceia. É magnífica, e o fato de ter sido gravada apenas em uma tomada (sim, tudo aquilo apresentado foi gravado apenas uma única vez, sem cortes) apenas aumenta ainda mais minha admiração pelo filme, por Gaspar e, claro, pelos dois atores que protagonizaram a cena. Cenas de sexo já são difíceis por natureza de serem feitas, o que dirá nessas circunstâncias apresentadas. E não pára no estupro, logo depois do ato, segue-se o espancamento - igualmente brutal - da personagem de Mônica Bellucci, que culminaria no fim da tomada. Uma única tomada. Esplêndido. Um trabalho digno de palmas.

Chocante
 
Mais uma vez, estaremos tratando aqui de um detalhe que só foi possível graças a maravilhosa edição de vídeo feita pela equipe de Gaspar. O filme nos proporciona momentos únicos. Sempre estamos acostumados a ouvir coisas a respeito da "construção" de personagens; tão presente em filmes como O Senhor dos Anéis: A Sociedade do Anel e Homem-Aranha. Mas agora, o que dizer de um processo de desconstrução de um personagem? Esquisito a primeira vista, não!? Mas a medida que o tempo vai passando, ou voltando, em Irreversível, vamos sendo apresentados a um 'Marcus' e um 'Pierre' totalmente diferentes daqueles seres selvagens e brutais a que vemos no início da película. Marcus, sedento por vingança, transforma-se em um namorado e amante completamente apaixonado por sua mulher; e seu melhor amigo  - e ex-marido da atual namorada de Marcus - Pierre, se mostra uma pessoa menos agressiva ainda, levando em conta que foi ele o cidadão que simplesmente arrasou a face de um cidadão com um extintor. Ao final do filme, devido ao processo de desconstrução e descaracterização dos personagens, você poderia jurar que Pierre jamais seria capaz de causar danos até mesmo a uma mosca.
 
E esse processo flui com uma naturalidade incrível. Chamo atenção para uma cena em especial que os três amigos encontram-se em um metrô e conversam calmamente a respeito da vida já passado os acontecimentos. Entendi o que Gaspar quis dizer com a seqüência, mas também não pude deixar de acha-la tediosa. Sim, porque agüentar Pierre falando sem parar daquele jeito não é para qualquer um. Brincadeiras a parte, é uma cena interessante, com um assunto interessante, entretanto, achei que os diálogos poderiam estar um pouco melhores elaborados.

Outro assunto que não poderia ficar de fora, muito presente no filme, é a questão da homossexualidade e a ligação do mesmo com o sentimento de nojo e repúdio. Ficou óbvia a crítica de Noe. Logo no início, somos apresentados ao bar gay "Rectum" onde simplesmente rolava de tudo, orgias, cenas de sexo oral, sado-masoquismo, entre outros. Você freqüentemente escutava um "me bate" e coisas do tipo. O público é induzido a sentir nojo do local, um repúdio mesmo ao Rectum, sem qualquer preconceito da parte de quem vos escreve. Mas Gaspar guardara a conclusão de sua crítica para mais tarde. Mais tarde quando Alex e Marcus estivessem em uma festa (em uma casa) heterossexual. Nessa casa rolava de tudo também, como na Rectum; orgias, drogas, sexo de todos os tipos e tudo mais; contudo, muitas vezes as cenas passavam batidas pelo público, não tinham o mesmo impacto das cenas da boate homossexual Rectum, quando deveria ter. Gaspar questiona: "Qual a diferença entre as festas para sentir aversão apenas em uma delas?"

Mas Gaspar também erra...

Entretanto, infelizmente não sou só elogios a Gaspar Noe. O homem que dirigiu o filme, também escreveu-o. E talvez esteja aí uma das maiores falhas de Irreversível. A história do filme é extremamente simples, muito mesmo! E esse é o ponto que as pessoas que detestaram o filme mais pegam no pé do mesmo. E eles verdadeiramente têm razão.
 
Ao término de Irreversível, quase que por instinto, coloquei automaticamente o dvd para rodar novamente. Queria rever o começo novamente. Pensava: "Será que não prestei atenção em algo? Será que perdi algum detalhe importante no início do filme?" Assisti o pequeno início novamente e vi que não, era realmente aquilo mesmo. E isso de certa forma me frustrou bastante. Ao contrário da frase principal do filme que diz "O Tempo Destrói Tudo", diria que a "simplicidade" (não destrói, mas) ofusca tudo. E esse é o principal ponto fraco da película. Bem que Gaspar Noe poderia ter assistido Cidade dos Sonhos...

Mas, ainda assim, o filme possui méritos suficientes para estar aí figurando entre os melhores filmes do ano. Não recomendo para todos os tipos de pessoas; mas se você adorou filmes como Amnésia e Cidade dos Sonhos, certamente se virá obrigado a dar uma conferida em Irreversível. Anotem esse nome, Gaspar Noe, é uma boa (ótima) promessa e aposta para o futuro, fiquem de olho.

Comentários (2)

viktor simoes thomaz de oliveira | quarta-feira, 05 de Outubro de 2011 - 20:57

Caro Tony não sei o significado de torrido no Brasil mas não deve de ser diferente do significado em Portugal,dizer que "...uma das cenas de sexo mais torridas ja gravada..." desde quando uma violação(estupro) é sexo torrido? 😕 Ja que assistiu ao filme em dvd aconselho-o a revelo e apontar em que parte da pelicula a personagem da Monica Bellucci foi "estuprada e logo depois assassinada"😕 e voce acha que uma cena daquela complexidade foi so gravada uma vez(uma tomada)??,sem cortes?voce pode amar a 7 arte mas não entende nada de direção de atores nem do processo de rodagem de um filme.Meu amigo,falar em construção de personagens,e dar como exemplo o homem aranha?!! PS:Passados 8 anos espero ver criticas suas com mais atenção e objetividade.
Abração. -VK-

Renata Correia Nunes | domingo, 05 de Maio de 2013 - 15:21

Eu acho um enorme erro reduzir esse filme a duas sequencias. a do extintor e a do estupro. São cenas muito bem feitas, é claro (aliás tecnicamente esse filme é excelente). Mas eu achei que a climatização do filme é fundamental. Com a sua câmera doida e um trilha sonora das mais irritantes possíveis, a primeira 1/2 hora de filme é um das coisas mais chocantes que eu já vi. A ambientação da Rectum parece o inferno. Totalmente nauseante. E o contraste que o filme vai fazendo ao longo, conforme mostra a vida dos protagonistas antes da desgraça total também é fundamental. Os diálogos desse filme são muito ruins. Algumas cenas (como a do metrô) são bem maçantes, mas são importantes para mostrar a mudança drástica que ocorre em suas vidas. Eu só tenho uma reclamação desse filme: o choque de luzes no final é muito irresponsável da parte do diretor. Esse tipo de efeito pode causar convulsões. Se eu tivesse visto esse filme no cinema poderia ter realmente passado mal.

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