Um drama de personagens incríveis e cativantes ao extremo.
Não houve filme mais tocante e apaixonante em 2003. O esporádico diretor canadense Denys Arcand (eu só conhecia uma obra dele até então, o também magnífico "Amor e Restos Humanos") retornou aos seus personagens de um antigo filme seu da década de 80, "O Declínio do Império Americano", que chegou a ser indicado ao Oscar de filme estrangeiro e ganhou alguns prêmios da crítica. Este foi mais longe: ganhou o Oscar de língua estrangeira e concorreu a roteiro original (perdeu para Sofia Coppola, de "Encontros e Desencontros" - eu diria que foi um páreo duríssimo). Aliás, o filme competiu no Festival de Cannes ano passado e ganhou dois prêmios: o de roteiro e o de atriz, para Marie-Josée Croze). Mas a qualidade deste filme não é medida em prêmios e sim em como conseguiu fisgar até os espectadores mais insensíveis.
A trama gira em torno de Rémy (o ótimo Rémy Girard), um velho professor de história que está morrendo lentamente de um câncer terminal. Ao seu lado está Sébastien (Stephane Rousseau, um comediante canadense que surpreendeu a todos por sua qualidade dramática - aliás, ele é uma espécie de clone do David Duchovny, aquele ator de "Arquivo X" que não deu muito certo no cinema), o filho de Rémy que tem muitas coisas pendentes no passado para acertar com o pai; Nathalie (Croze), uma viciada em drogas que irá auxiliar Rémy no uso de drogas que suavizam sua dor; e vários outras personagens, entre a mulher (Dorothée Berryman), ex-colegas de profissão, uma enfermeira e até mesmo antigas amantes.
Todo ambientado basicamente em dois cenários (um hospital, onde ficamos sabendo que o Canadá possui problemas parecidos com o Brasil, inclusive de infra-estrutura; e uma casa margeada por um lago, onde o personagem principal passará seus últimos dias), o filme é de uma sutileza sem tamanho. Em nenhum momento apela para soluções fáceis ou se resvala em pieguismos. A força dos diálogos se mantém constante durante toda a projeção, e é onde Arcand se revela um grande mestre. Ele conduz todas as situações com incrível veracidade e a certeza de estarmos diante da vida real traz à tona muitas lágrimas, e não só dos mais sensíveis. O próprio professor Rémy não deixa de ser um personagem totalmente humano, amoral, com mais defeitos que qualidades: é de esquerda, mulherengo e teimoso. Impossível não se apaixonar por personagem mais cativante. E até o prepotente Sébastien, que a princípio se revela bastante desagradável, aos poucos vai se transformando e conquistando o público. E não há um único personagem no filme que não deixamos de ter um carinho especial. O próprio final, que poderia despertar uma grande polêmica, é de um contexto tão forte e tão intangível que é impossível questioná-lo ou polemizá-lo.
A propósito: o título do filme se refere aos ataques ocorridos aos Estados Unidos em 11 de Setembro. As invasões bárbaras seriam o primeiro ataque bárbaro a atingir o império. Tudo isso é revelado em um diálogo, uma grande crítica à política imperialista ianque. Não deixe de ver, é imperdível.
Comentários (0)
Faça login para comentar.
Responder Comentário