Zhang Ke aponta seu olhar discreto para a moda da China.
(Cobertura do Festival do Rio 2008)
O cineasta Jia Zhang Ke mais uma vez retoma ao tema que tem sido uma constante em seus filmes tanto ficcionais quando documentais, a dicotomia presente entre a China desenvolvida e próspera da metrópole e a China atrasada do interior. Em Inútil, ele pega a indústria da moda como o fio condutor dessa investigação.
Já na primeira seqüência ele apresenta uma belíssima panorâmica, captando o trabalhar de operários de uma grande indústria têxtil. Sua forma de filmar é discreta, quase natural, e assim segue toda a primeira metade do filme. Não há diálogos, apenas o olhar sobre a rotina dos trabalhadores, ao som do incessante barulho das máquinas de costura que metaforiza um país que não se permite descansar.
Um outro rumo se forma quando o cineasta, de forma mais tradicional, apresenta a personagem de uma estilista pioneira que tem como objetivo alcançar o mercado internacional. É através dela que conhecemos mais o histórico da moda chinesa, até então em grande escala, típica de um estado socialista, para uma moda de vanguarda, de alta-costura, que tem a pretensão de adentrar no mercado internacional. Um país que até então priorizava a padronização de seus cidadãos e que vê crescer a questão da individualidade, ainda que dotada de cacoetes da civilização ocidental.
O inútil do título é entendível quando Zhang Ke aponta suas lentes para uma loja de alto luxo, na qual mulheres ostentam caríssimas roupas e acessórios de grifes internacionais. Há um certo desdém do cineasta para com essas pessoas, e talvez uma ponta de ressentimento por ver sua China se apropriando de um status quo vigente nas economias de capital aberto, algo também perceptível em seu filme ficcional anterior, Em Busca da Vida.
A câmera só passa a transmitir compaixão quando finalmente adentra comunidades pobres e subdesenvolvidas, acompanhando as vidas de alguns personagens que, sem maiores aspirações, buscam através de suas confecções caseiras a sobrevivência. Um desses personagens, um pobre alfaiate que larga a profissão nata para virar minerador, mais uma vez entrega um estado que coloca suas prioridades acima do bem comum.
Pena que Zhang Ke, ao tratar deste tema, não apresente a polêmica questão das indústrias do mundo afora que se instalam na China, aproveitando-se do baixíssimo custo de mão-de-obra dos trabalhadores locais. Proposital ou não, torna-se um esquecimento imperdoável.
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