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Inimigos Públicos

(Public Enemies, 2009)
7,3
Média
713 votos
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Sua nota

Críticas

Cineplayers

Filme ambientado num período de glamour decadente posterior à Grande Depressão mostra o ápice e a queda de um banditismo heróico tipicamente norte-americano.

7,5

Em algum momento de Inimigos Públicos me ocorreu pensar em Cidade de Deus. Não sei se foram as cenas gravadas em digital com câmera na mão em meio a uma explosão de tiros e sangue, ou a história de um bandido transformado em inimigo público número 1 e que mantinha consigo um código de honra já desgastado pelo tempo. Na transição para uma época que passou a transformar tudo em espetáculo, vemos o duplo caráter da condição do marginal que é glamourizado em peças cinematográficas estreladas por Clark Gable, e usado pelos jornais sensacionalistas que realçavam os aspectos mais sujos dessas histórias para vender mais.

Assim é que se forma o mito de John Dillinger (Johnny Depp), e a trama de sua caçada é também a história da profissionalização dos bureaus de investigação que dariam lugar ao conhecido FBI. Em meio à inexperiência de agentes policiais que até então não haviam enfrentado bandidos profissionais, que planejavam e estabeleciam uma elaborada rede de relações e auxílios (que incluía suborno de autoridades e muita esperteza), tinha em Melvin Purvis (Christian Bale) o exemplo dos futuros e modernos defensores da lei.

Aquilo que Purvis tinha de dedicação, Dillinger trazia em ousadia. E apesar dessa diferença crucial, é possível perceber que os dois personagens são frutos de uma época em que “um homem era um homem” como disse Johnny Depp no release do filme. A maior prova disso é a relação de Dillinger com sua namorada, a guardadora de casacos Billie Frechette (Marion Cotillard), que cai nas graças do bandido e passa a ser protegida por ele, ao mesmo tempo em que se vê envolvida por seus problemas com a lei. Ao contar sobre sua vida, Billie confessa ter sido criada numa fazenda onde nada parecia acontecer, o que era a mesma história de Dillinger e Purvis. Ao ser torturada pelos policiais que estavam no encalço de seu namorado, é Purvis quem mostra a natureza do “homem que é homem”, ao carregá-la para o banheiro, já que Billie não conseguia andar. Ou seja, herói e mocinho carregam um mesmo código de honra, que inclui irmandade incondicional com os companheiros de trabalho e bons tratos com as mulheres.

O mais interessante em Inimigos Públicos é a trama paralela sobre o crescente papel da mídia como formadora de opinião e pedagoga dos códigos de postura em uma sociedade que estava se reestruturando em meio à ressaca de uma crise. O papel do cinema como a diversão de massas mais popular das primeiras décadas do século XX e a ausência da televisão faziam com que os noticiários que antecediam às sessões fossem também parte imperdível do show. Atentem para a cena em que Dillinger e seus comparsas se vêem em apuros quando seus rostos aparecem estampados na tela do cinema, ao som da voz que repete o discurso do “olhem para a direita e para a esquerda, pois estes sujeitos podem estar ao seu lado”.

Terá sido intencional contar a história dessa perseguição que se tornou conhecida através dos meios de comunicação e ao mesmo tempo desmitificar um período sempre retratado pelo cinema com a pompa e elegância dos gansgsters, usando o digital em alguns momentos? Por algum motivo Michael Mann escolheu usar câmeras digitais em cenas de maior vivacidade, como as perseguições e os tiroteios, retirando a usual idéia de nostalgia ligada a filmes que retratam o passado e às vezes pecam pela excessiva vontade de compor uma época à exaustão dos detalhes. Podemos ver os poros do ator suado e o tiro que entra na nuca e sai pela maçã do rosto. A utilização do recurso digital torna o filme, sem dúvida, mais interessante e vivaz, quase como um novo jeito de ser Hollywood, mais orgânico e menos realidade-remontada-em-estúdio.

As atuações de Cotillard, Depp e Bale fazem juz aos papéis, mas não saltam aos olhos como novidades. Christian Bale, inclusive, parece levar seu Bruce Wayne - incansável defensor da justiça - para a década de 1930, mas isso pode ser também fruto de um preconceito construído com ajuda da mídia, quem sabe?

O mote final, as cenas de Dillinger se identificando com o personagem de Clark Gable em Vencido Pela Lei, filme de 1934 em que vemos o famoso galã travestido num marginal às voltas com a lei e o amor, voltam à temática da vida imitando a arte,que imita a vida ad infinitum desde os tempos em que a ficção passou a ocupar o papel de consolar os indivíduos solitários das metrópoles. O roteiro foi baseado num livro escrito por Bryan Burrough que talvez tenha sido bastante puxado para o melodrama, mas talvez Mann pudesse ter nos poupado daquele final constrangedor do “adeus, blackbird!”

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