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Críticas

Cineplayers

Um faroeste violento, mostrando que remakes podem ser bons.

7,0

Foi-se o tempo em que os faroestes eram comuns em Hollywood. Considerando o mercado atual, onde franquias antigas, refilmagens ou ressurreições de gêneros acabam se tornando mania quando há retorno, penso que os faroestes ainda voltarão com tudo, assim que houver um representante forte o suficiente para iniciarem uma reação em cadeia nas produções sobre o velho oeste. Acredito que, apenas como um exemplo representante do que falo, se Os Imperdoáveis fosse lançado atualmente, onde as boas idéias estão perdidas com o feno das cidades empoeiradas, teríamos vários filmes revisitando uma época tão vista anteriormente pelos cineastas.

Os Indomáveis é bom, bem produzido, cheio de detalhes escondidos, mas ainda não é suficiente para o retorno do gênero. Isso porque a história é difícil, vai acontecendo sem uma moldura de simples digestão, fugindo dos padrões de westerns clássicos e adotando uma alma mais trágica, à lá Meu Ódio Será Sua Herança. Tudo é muito realista e detalhista: cenários vivos, roupas sujas, barbas mal feitas, pólvora nas unhas. E fiquei feliz do trabalho de arte ter sido levado o conceito tão a sério. Tinha medo de cenários mal feitos, polidinhos demais, com roupas novinhas e chapéus perfeitos. Aqui eles têm que ser sujos e ajustados às cabeças pelo uso constante que seus personagens sugerem, e não parecendo terem saídos das mãos das costureiras minutos antes – exatamente como alguns filmes genéricos costumam fazer.

Neste momento, já perdi o trem para apresentar um resumo sobre o enredo: refilmagem do clássico de 1957 Galante e Sanguinário, conhecemos a sofrida história do pai de família e ex-combatente de guerra aposentado por invalidez Dan Evans (Christian Bale), que deve uma grande quantia de dinheiro para um magnata de sua cidade. Lá, tentando renegociar a dívida, acaba conhecendo Ben Wade (Russell Crowe), um dos mais perigosos fora-da-lei que estava no bar local simplesmente por causa de uma mulher, mesmo sabendo que os policiais estavam por perto. Com Wade preso, ele recebe a proposta de escoltá-lo até a cidade onde passa o trem para Yuma, local do presídio (o 3:10 to Yuma do título original refere-se à hora em que o trem chegará). O dinheiro seria suficiente para pagar suas dívidas e começar uma vida nova com sua esposa e filhos, já que estes o olham torto por não conseguir sustentar a família direito.

Depois desse pequeno grande resumo, vale dizer que a história é o de menos. Servindo apenas para impulsionar os atos de seus personagens, o psicológico é o ponto principal neste trabalho do diretor James Mangold (Garota Interrompida, Johnny & June). Ao invés de termos apenas histórias sobre as crueldades de Ben Wade (como no primeiro longa, onde Glenn Ford era bonzinho demais para crermos ser um assassino), aqui podemos vê-lo em ação e sem piedade. Isso ajuda a aceitar o fato de que aquele homem sendo transportado, quieto e educado, é realmente uma pessoa altamente perigosa e que não hesitaria em matar qualquer um que atrapalhasse a segurança de seu bando.

Porém, Wade segue um sistema ético próprio que fica difícil entender. Se ele é capaz de matar um capanga quando este coloca o grupo em uma situação difícil, por que acreditar cegamente que seus homens irão atrás da diligência que o leva até a estação de trem, se isso expõe o grupo ao mesmo perigo que ele condena? É simples. Pelas próprias palavras do homem fiel de Wade, “não há ninguém que possa comandar este bando melhor”. E fica fácil acreditar nisso, pois acompanhando tudo o que acontece no filme, é óbvio que Wade conhece aqueles homens como ninguém. Em certo momento, o filho de Dan Evans questiona se Wade seria realmente aquela pessoa tão má quanto todos dizem ser. Russell Crowe, mais uma vez em sua carreira, traduz em realidade sua resposta: “pode acreditar que sou”. Nós não apenas acreditamos, nós vimos que pode.

Já Christian Bale, bom ator que todos sabemos que é, tem seus altos e baixos. Ao mesmo tempo em que consegue convencer andando manco uma boa parte do tempo, fica difícil crer, já que o filme adota um tom bastante realista, que seu personagem seria capaz de realizar proezas já difíceis para pessoas em seu estado perfeito de saúde, quanto mais para uma pessoa com uma perna de pau. Senti um certo problema também em suas falas, já que o sotaque é praticamente nulo e parece que estamos vendo o mesmo Christian Bale das entrevistas ali, na tela. Apesar disso, o resultado final não chega a ser comprometido.

Dito isso tudo sobre os dois personagens principais, o confronto que se estabelece entre eles é fascinante. Tudo é interpretativo, as maiores sacadas não são dadas de mão beijada pela história. Muitas pessoas estão acostumadas a ver o personagem falar aquilo que o diretor quer que saibamos, mas em Os Indomáveis isso não acontece, pois os detalhes contam aquilo que as palavras não dizem. E isso se refere a tudo: motivações, decepções, etc. E justamente por isso o discurso final de Evans para Wade soa forçado: nós já sabíamos porque Wade estava facilitando tudo para Evans, o filme não precisava nos dizer isso com palavras. Por que, então, tal seqüência melosa?

Não que Wade tenha contrariado sua personalidade assassina construída anteriormente: várias vezes tentando fugir de seus acompanhantes, acreditamos nas coisas que acontecem e que, vistas com olhares realistas, são críveis e funcionam justamente por isso. Os índios, tão famosos nos westerns clássicos norte-americanos, aqui são apenas coadjuvantes para mostrar o quanto Wade é impiedoso e servem como ponte para que o filme nos leve mais adiante, a outro tema: o preconceito. Negros, asiáticos e os próprios índios são vistos sob olhares inferiores do povo daquela época, algo que o nosso editor Andy Malafaya discutiu recentemente em um artigo sobre outro filme, Rastros de Ódio, mas que podemos ver alguns desses detalhes em determinado momento do longa.

Completando tudo o que gostaria de falar sobre Os Indomáveis, destaco a música: realizada com requinte por Marco Beltrami, a todo momento temos a perfeita sensação de que ela funciona muito bem no quesito ambientação, ligação com o público. É a ponte perfeita para entrarmos no clima e se parece muito, em composição, com o período clássico. Não que haja uma parte marcante, aquele momento da trilha em que todos vão se lembrar, mas ela é bem composta o suficiente para ficar lá no fundo e não roubar nada das cenas que estamos acompanhando. Não é imortal, mas faz o seu papel. Exatamente o mesmo papel que Os Indomáveis tem para os westerns.

Comentários (1)

Cristian Oliveira Bruno | quinta-feira, 28 de Novembro de 2013 - 17:10

Bale e Crowe monstram-se atores de todos os estilos. É comovente o modo como Bale expõe o descrédito que Dan tem em si mesmo, tendo nessa tarefa a última oportunidade de redimir-se com seu filho, esposa e espírito. Já Wade é um dos vilões mais charmosos dos últimos anos, aquele que comete atrocidades e continuamos torcendo para ele até o fim.

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