Não é uma crítica. É um texto de um gremista para outros gremistas. Se for o seu caso, desfrute!
É simplesmente impossível analisar friamente Inacreditável – A Batalha dos Aflitos. Nenhum gremista conseguirá fazê-lo, especialmente aqueles que vivenciaram os fatos narrados no filme. Mas Inacreditável foi feito por gremistas e para gremistas. E ninguém além dos incansáveis seguidores do Imortal Tricolor devem assumir a tarefa de escrever sobre a obra.
Por isso, assumi a responsabilidade. Mas adianto desde já: este texto não será sobre cinema. Não irá analisar detalhes técnicos e narrativos do documentário de Beto Souza. Na verdade, este texto nem vai ter nexo, com ordem lógica ou um parágrafo encadeado no outro. Já estou me desculpando com antecedência porque assisti Inacreditável como torcedor, não como crítico. E é como torcedor que escrevo.
Fosse aquela uma cena narrada em um livro ou criada para um filme de ficção, ninguém acreditaria. Espectadores sairiam no meio da projeção e leitores deixariam o texto de lado, provavelmente exclamando frases da seguinte natureza: “Até parece” ou “Isso é coisa de filme”. Fosse obra da mente de um gênio criativo, seria tomada como fantasiosa. Mas aconteceu de verdade. Eu vi acontecer, acompanhei todo e cada momento decisivo, e até hoje, quase um ano e meio depois, ainda não acredito.
O dia 26 de novembro de 2005 já entrou para a história do futebol. Ou simplesmente para a história. Foi a data em que o esporte mais amado do mundo deixou de ser apenas futebol e assumiu ares mitológicos, épicos, inspiradores. Foi o dia em que um clube de três cores do Sul do Brasil mostrou o que é ser grande. O dia em que, mais uma vez, como aconteceu diversas vezes ao longo dos mais de 100 anos de existência, o Grêmio fez o Brasil e o mundo se curvar à sua majestade.
O que aconteceu naquele sábado foi algo inexplicável. Palavras racionais jamais conseguirão descrever aquela partida de futebol. Foi o dia em que o maior clube que já existiu no Brasil conquistou o título mais importante de toda a sua já vitoriosa trajetória. Sim, o mais importante. Não por ter sido o maior ou o que teve mais valor. Mas foi o mais importante por tudo o que o cercou.
O lugar de um clube imenso como o Grêmio não é a segunda divisão. De alguma forma, os jogadores compreenderam isso. Compreenderam como nem mesmo os gremistas achavam que eles haviam compreendido. No início de 2005, escrevi um texto xingando todos aqueles que faziam parte do Grêmio patético de 2004 e daquele ano. Todos os que não entendiam que faziam parte de um clube de futebol diferente de todos os outros.
Pois naquele sábado inigualável eu vi o Grêmio que me fez virar gremista. O Grêmio do sangue no rosto de de León, o Grêmio dos pontapés de Dinho, o Grêmio dos gols feios de Jardel, o Grêmio de Felipão, o Grêmio da paixão de Paulo Sant’anna, o Grêmio da veneração de Eduardo Bueno. E, mais do que tudo, vi o Grêmio de toda a nação que usa as três cores como uma segunda pele.
O time do Grêmio que viajou até o nordeste para a Batalha dos Aflitos (nunca o nome de um estádio foi tão apropriado) não tinha grande qualidade futebolística. Um ou outro talento despontava naquele grupo. Mas poucas vezes senti tanto orgulho vendo um time de futebol. A revolta contra as marcações absurdas do árbitro demonstra a diferença entre o Tricolor e outros times. Os sete bravos guerreiros restantes impedindo o árbitro de se dirigir à marca do pênalti foi uma das cenas mais lindas que já vi em toda a minha vida.
Foi inspirador. Dizem que quanto maior a dor, maior o alívio que a segue. Pois foi exatamente isso que aconteceu naquele sábado. Nunca sofri tanto assistindo a um jogo de futebol. A corrida do lateral esquerdo Ademar em direção à bola, na cobrança do segundo pênalti do Náutico, foi um dos piores momentos da minha existência. O tempo se suspendeu. Nada mais existia. Entrei em alguma outra dimensão por aqueles poucos segundos. Sentia-me diante de um pelotão de fuzilamento. Com as armas todas apontadas para mim. E o apito do juiz foi o grito de “Fogo!”. Mesmo escrevendo essas palavras, tempo depois e já sabendo do final, sinto um nó na barriga. Sinto meus órgãos parando de funcionar.
Mas as armas falharam. O tiro saiu pela culatra. A defesa do herói, do santo, do soldado, do messias Galatto foi algo extraordinário. Uma canela. Jamais declarei meu amor por uma canela, mas eu amo a canela do Galatto. Já disse que deveriam ter feito uma estátua da canela do Galatto. Aquela canela que mostrou ao mundo o tamanho do Grêmio. A canela que disse a todos o que passava na cabeça dos jogadores naquele momento: “Nós não podemos perder esse jogo! Nós não vamos perder esse jogo!”.
Foi assim que deixaram de existir sete jogadores. Ali, naquele estádio, longe de sua terra natal, os atletas tornaram-se sete profetas de uma religião. Uma religião liderada por um moleque abusado de 17 anos e um goleiro iluminado. Uma religião que foi buscar novos seguidores longe de seu templo e de seus maiores fiéis. E conseguiu.
Ao deitar a cabeça no travesseiro na noite de sexta para sábado, lembro que nenhum gremista duvidava da classificação. Mas, garanto, nenhum também fazia idéia de como ela seria conquistada. A comemoração, a loucura furiosamente maravilhosa que assomou as ruas de Porto Alegre durante o final de semana não foi pelo título. Era obrigação de um clube como o Grêmio vencê-lo. A euforia veio pela forma como ela foi conquistada.
Por isso, este texto, assim como o filme, não é para colorados ou para outros torcedores. Este texto é para gremistas. Para aqueles que sabem celebrar o sofrimento. Para aqueles que conhecem a sensação inigualável de torcer para algo que é mais que um time, que é maior do que a vida. Para aqueles que já experimentaram o prazer de calar 100 mil pessoas no Maracanã e fazer 60 mil corinthianos saírem de cabeça baixa do Morumbi. E para quem riu por último naquele dia, após os torcedores do Náutico comemorarem com antecedência um título que estava escrito nas estrelas que seria do Grêmio. É um texto para quem sabe que acordou, domingo de manhã, uma pessoa completamente diferente após o ritual de purificação do sábado.
Porque ser gremista é isso. É sofrer, é chorar de tristeza, é quase falecer, mas é também celebrar, é vibrar, é não conseguir compreender como outros conseguem torcer para times diferentes. É ir do mais profundo desespero à sensação plena de felicidade em alguns segundos. É fazer parte de algo que é difícil de colocar em palavras. É simplesmente ser gremista.
Inacreditável é um grande filme? Não sei. Jamais vou saber porque jamais irei analisá-lo dessa forma. Para os gremistas, não é um filme a ser assistido, mas sentido. Para relembrar aquela batalha inigualável, indescritível e inacreditável. A Batalha dos Aflitos. Uma partida monumental. Como foi, é e sempre será o Grêmio.
e daaale Gremio 😁😁