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Críticas

Cineplayers

Gritando... E muito!

7,0

Todo artista deve algo a alguém; ninguém é isento de influências, embora algumas pessoas insistam em alimentar o discurso de uma arte de “sangue purificado”. Quentin Tarantino é o exemplo mais popular/óbvio para o que estou tratando aqui, uma pessoa dotada de uma filmografia que flerta constantemente com obras artísticas saídas da cultura popular, referenciando principalmente boa parte dos anos 70 com todo o seu soul e aquele gingado de um cinema de rua norte-americano que estava a todo o vapor (estou me referindo principalmente ao blaxploitation), a manifestação da Europa popular com toda a sua subversão traduzida em obras como The Big Racket (Grande racket, Il, 1976), Prelúdio para Matar (Profondo Rosso, 1975) etc. O que foi feito há pouco se trata de um olhar em torno de uma camada mais conhecida de um cineasta popular; muitos conhecem os exploitations, nunsploitations e blaxploitations da vida (principalmente após o surgimento de Kill Bill Vol. 1 e Vol. 2), mas é preciso dar importância, ir além de suas nomenclaturas e aproveitar as obras pertencentes a tais movimentos estéticos.

I Drink Your Blood (idem, 1970) é um filme de terror extremo, daqueles exibidos nos famosos (de boca, ao menos) grindhouses. É bom tomar a palavra “extremo” não como uma mera representante da violência gráfica que acompanha a obra a todo o momento, mas também como uma forma de tentar compreender como a inconsequência age por aqui. É um filme inconsequente, feito para chocar o público de sua época (especula-se que foi um dos primeiros filmes não pornográficos a receber classificação X nos EUA); inconsequência tão grande que a ação do tempo deu motivos para que o público mais atual começasse a rir do absurdo em tela. Quer dizer, de onde mais poderia sair uma trama que consiste em um grupo de hippies satanistas (sim, eles não pregam a paz e o amor) que aparece em uma cidadezinha para causar um pouco de caos? Daquele cinemão B dos anos 70, é claro.

Apesar de ser uma obra extremamente artesanal em praticamente todos os aspectos e vista de forma negativa por olhos mais conservadores, é notável a ousadia da narrativa que vai tomando a forma de uma bola de neve, chegando ao ponto de formar praticamente dois filmes em um. Em primeiro lugar, os hippies estupram uma adolescente da região; logo após um moleque, parente da garota violada, sai em meio à floresta e mata um cachorro com o vírus da raiva somente para retirar um pouco de seu sangue, com uma seringa, para, em seguida, rechear algumas tortas em um mercado local (claramente planejando que os hippies comam – e eles comem). Em segundo lugar, os hippies e mais algumas pessoas são infectadas com o vírus da raiva, desencadeando um verdadeiro caos na cidadezinha. A quebra de narrativa é tão abrupta que temos em mãos praticamente dois filmes: um mais voltado para uma temática satanista e outro mais a um estilo zombie, claramente bebendo de George Romero em seu clássico A Noite dos Mortos-Vivos (Night of the Living Dead, 1968). De qualquer forma, é fácil de acreditar que uma obra como I Drink Your Blood tenha influenciado clássicos mais conhecidos, como O Exército do Extermínio (The Crazies, 1973), do próprio Romero; assistir à sequência de suicídio por fogo de uma mulher infectada desperta duas possibilidades: ou 1) David E. Durston era um baita vidente (pelo seu nível de maldição não me surpreenderia caso algumas pessoas passassem a acreditar) ou 2) então George Romero foi, de fato, influenciado pelo filme do David E. Durston.

A fotografia do filme é tomada por tonalidades quentes com uma aparência meio morta, quase como se o filme tivesse sido rodado em uma daquelas famosas instantâneas câmeras Polaroid. A trilha sonora é repetitiva e a música-tema é bastante marcada por wah-wah, quase que estimulando o efeito de náusea no espectador. Não fossem esses dois aspectos citados, o filme não teria conseguido boa parte da parcela de repulsa que causou; ou melhor, causa. Mesmo que seu terror seja duvidoso (o mundo foi se tornando mais violento, informativo etc, é algo natural), é inegável que se trata de um filme bem nojento e bizarro, para dizer o mínimo. Tem efeito similar às obras de início de carreira do Peter Jackson, um prato e tanto para quem gosta de uma arte suja e punk. O Cinema, afinal, não é feito apenas pelos “bons costumes”.

Comentários (9)

Ricardo Nascimento Bello e Silva | quarta-feira, 04 de Fevereiro de 2015 - 15:08

Agora sim! Belíssimo início e crítica, Ramos. Também me deu vontade de ver (outra coisa, pode ser loucura, mas só eu que lembrei do Robert DeNiro vendo essa foto?).

Victor Ramos | quarta-feira, 04 de Fevereiro de 2015 - 22:58

Obrigado, meu povo!

E a quem interessar, o filme de fato não foi lançado por aqui (acabei de procurar), mas, como falei antes, vocês podem assistir facilmente buscando seu título traduzido para o português, no youtube mesmo.

Josiel Oliveira | quinta-feira, 05 de Fevereiro de 2015 - 00:14

Sensacional a iniciativa de sair dos lançamentos e dos clássicos escrevendo uma crítica sobre um filme B. Gostei muito!

Landerson DSP | quinta-feira, 05 de Fevereiro de 2015 - 11:37

Nossa, nem li a crítica ainda, mas só pela escolha do filme, já te considero pacas.

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