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Honeyland

(Honeyland, 2019)
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Sua nota

Críticas

Cineplayers

Os vínculos com a terra

8,5

É difícil medir o tempo dos outros. Essa dificuldade atravessa o documentário Honeyland (idem, 2019), dirigido por Tamara Kotevska e Ljubomir Stefanov. Como filmar o outro, respeitando seu tempo? Como criar um vínculo com o espaço cumprindo com a duração muito particular dos processos que ali se dão? E, enfim, como compartilhar de um conjunto de espaço e tempo com processos e movimentos de temporalidade diversas? Honeyland se engaja com essas perguntas desde o próprio gesto de realização do filme.

O procedimento cíclico praticado por Hatidze Muratova, criadora de abelhas, tem um rigor de tempo: a duração característica de seu trabalho, que envolve não apenas a apicultura, mas também o cuidado com a mãe e as viagens até a cidade para vender o mel; e o ciclo do trabalho das abelhas, de quem ela “tira metade, deixa metade”, respeitando uma lógica que parece ser, em certa medida, também criada por ela – um termo de seu vínculo com o espaço a que este, silenciosamente, consente. Esse processo rigoroso é abalado pela chegada de uma grande família de apicultores, agricultores e criadores de gado nômades, que se estabelecem como seus vizinhos e inserem outros regimes temporais naquela paisagem.

Há realmente uma disposição predatória no modo como esse homem, acompanhado da esposa e de seus sete filhos (de diferentes idades), busca extrair o máximo da terra antes da chegada do inverno, quando seguirão em frente para se estabelecer em outro lugar. Ele justifica isso na sua necessidade de prover para muitos filhos, embora um destes, um garoto de cerca de 12 anos, responda de forma enfaticamente hostil ao trabalho do pai, interessando-se, ao invés disso, pelos movimentos distintivos de Hatzide no seu cuidado com as abelhas.

Esses diferentes modos de trabalho implicam em diferentes relações com o espaço. Mas não seria justo entender essa família simplesmente como predadores vorazes. O que aparece no filme é, antes disso, um conjunto de novos modos de habitação daquela paisagem, com necessidades próprias (não apenas das pessoas da família, mas de suas abelhas mais ansiosas, do gado leiteiro e de outros habitantes da terra como a grama e a plantação de milho). Seria equivocado, nesse sentido, pensar que Hatzide trata essa terra por alguma originalidade sagrada, enquanto a nova família é devastadora em sua transformação do lugar. Ao contrário disso, tal qual seus vizinhos, Hatzide adapta o espaço em suas operações de trabalho e existência – é seu acordo tácito de habitação, meramente, que se diferencia do deles.

O exercício dos diretores aqui é filmar a rede de vínculos (humanos e não humanos) que se estabelecem com a paisagem e, no processo fílmico, participar dessa rede e se engajar com ela. O que não se deve perder de vista é que, ao fazerem isso, eles também habitam esse lugar e agem sobre ele e sobre os outros vínculos que ali se estabelecem. Isso, no entanto, parece estar evidente para eles, no que o filme assume uma linguagem de criação ficcional que frustra (ainda bem) qualquer expectativa por uma observação neutra e indiferenciada.

Falar que existe um processo de criação ficcional em operação pelo filme não significa dizer que ele não é articulado e interferido por movimentos, personagens e sistemas que estão presentes nesse espaço fora da ficção. São essas agências extramidiáticas atuando em Honeyland que justificam o seu reconhecimento dentro do gênero de documentário (uma classificação cada vez mais fragilizada pelo cinema contemporâneo). O filme, no entanto, tem uma força que extrapola a fronteira delimitada do gênero, a força de diferentes durações que se encontram em um lugar ou em um quadro – em uma construção de cena, afinal.

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