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Críticas

Cineplayers

Um desinteressante e preguiçoso filme que, através da música, tenta traçar um pequeno painel sobre a transformação cultural dos anos 50.

4,0

Não é preciso muito conhecimento histórico e cinematográfico para adiantar de cara alguns dos principais temas deste pouco divulgado filme de John Sayles, que com dois anos de atraso chega aos cinemas nacionais – onde provavelmente terá uma passagem de muito pouco sucesso. Estamos no Alabama, estado sulista reconhecidamente povoado por negros e considerado um dos grandes pontos de referência da black music até a época em questão, os anos 50. Para os que não desconhecem a história da música, é nesta década que ocorre a explosão do rock n' roll, estilo que dominaria o cenário musical a partir de então e entraria em choque com o blues e o jazz, gêneros musicais da black music muito mais intimistas.

É neste período de transição – não apenas da música, mas principalmente cultural, onde passou-se a assimilar melhor os traumas pós-guerra e deu-se início a uma reestruturação de valores que culminaria na famigerada contracultura sessentista – que se encaixa a história contada por Sayles, trazendo obviamente questões ligadas a essas transformações sociais. Dificuldades de adaptação, preconceito, memórias e lamentações se unem em um círculo revisionista que tem como principal objeto de estudo o dono de um bar à beira da estrada, interpretado por Danny Glover, que passa por dificuldades financeiras desde que um moderno bar instalou-se em frente ao seu estabelecimento – onde o público trocou o piano e a gaita de boca pela jukebox, principal modernidade da época.

Por mais que o tema deste Honeydripper - Do Blues ao Rock seja minimamente interessante, especialmente para quem gosta de música e história, Sayles não consegue fazer mais do que um filme muito ruim. Da falta de habilidade em sustentar e desenvolver as diferentes questões que sucitam da riqueza de elementos presentes – mesmo que implicitamente – em cenário e personagens até sua fraqueza cinematográfica – não são poucos os momentos em que transmite a sensação de ser um telefilme de terceira categoria – este Honeydripper é um grande exemplo de filme preguiçoso - longo, de péssimo timing narrativo, entediante e na maior parte do tempo muito pouco funcional.

São praticamente duas horas de filme que podem ser divididas em três segmentos - em qualquer um deles a fraqueza do material é evidente. Há o filme sobre racismo, construído a partir da relação de Glover, sua família e amigos com os brancos da comunidade local e, principalmente, com a falta de oportunidades com a qual sofre o músico que adentra seu bar à procura de emprego; o estudo de personagem, para o qual Sayles bebe diretamente do filme que influenciou qualquer movimento cinematográfico neste sentido desde seu lançamento, A Morte de um Bookmaker Chinês, de John Cassavetes - Abel Ferrara fez uma infinitamente superior releitura deste filme em sua mais recente obra-prima, o ainda inédito no Brasil Contos a Go Go – e que envolve todas as questões ligadas ao personagem de Glover, desde seu relacionamento com o trabalho, o mundo e sua própria vida; e o filme sobre a música, que afinal de contas é o grande motivo de ser de Honeydripper.

Uma pena que a ambivalência de leituras seja sufocada por uma coleção de seqüências tão inexpressivas, que em momento algum conseguem envolver ou conquistar plenamente a atenção. Pelo contrário, é um filme frio e praticamente chapado em uma mesma camada de impotência. Sayles parece temer correr qualquer risco e para tanto censura os mínimos resquícios de ousadia que poderiam fazer deste Honeydripper um filme meramente aceitável dentro desta coleção de temas obviamente melhores trabalhados em outras oportunidades, saciando-se com uma longa e quadradíssima trama que trata de uma forma bastante acadêmica sobre o processo de transformação em que se encontram mundo, música e personagens.

Nem mesmo o mais aguardado momento do filme, naturalmente reservado para o clímax – a apresentação do jovem que se faz passar por um famoso guitarrista das rádios, supostamente contratado por Glover para a primeira apresentação valvulada em seu estabelecimento – consegue trazer algo de novo a Honeydripper, e para além do fato de ser um momento-chave de pouca expressão ainda somos contemplados com situações delicadas como a caminhada do artista até o pátio do estabelecimento durante a apresentação para tocar guitarra sobre o capô de um automóvel – uma cena que somente deixa claro a falta de criatividade de Sayles – e as seqüências ligadas às memórias de Glover sobre a violência para termos certeza de que se trata de um filme mais do que dispensável. Dificilmente alguém saíra do cinema realmente satisfeito.

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