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Críticas

Cineplayers

Transcendendo o tom político discursivo, Homens Indomáveis é um filme comedido e brilhante.

9,0
A reputação de Allan Dwan na velha Hollywood era a de um diretor modesto e eficiente, capaz de agilizar e facilitar processos cinematográficos dos mais diversos afim de entregar filmes nos prazos exigidos e, acima de tudo, dentro do orçamento. Não são raras as injustiças conferidas ao artífices do cinema em seus próprios tempos, ficando a História por conta de dar-lhes o devido reconhecimento que merecem (outro cineasta gigante que pode ser citado nesse sentido é Raoul Walsh, embora este tenha desfrutado de certo apreço ainda em seus dias na atividade; ou ainda Jacques Tourneur). A reputação de Dwan ainda é modesta, mas cada vez mais tem-se falado a respeito da maestria com a qual o cineasta compunha seus espaços e resolvia, imageticamente, suas questões narrativas.

Homens Indomáveis é um faroeste profundamente enraizado nas possibilidades políticas que um faroeste é capaz de construir. É característica do gênero fundamentar questões contemporânes num plano de fundo histórico, genericista. A história é uma clara dramatização dos tempos mccarthistas, onde as reputações de homens – inclusive os notórios – era menos sólida do que um pedaço de papel. Escrita por Karen DeWolf, uma roteirista que tornou-se inclusive alvo da perseguição e censura acometidos ao cinema americano de sua época, a peça esforça-se nada sutilmente para traçar o paralelo entre o herói de um faroeste e a própria classe liberal americana.

No filme, a reputação de Dan Ballard (John Payne) é posta à prova quando um suposto delegado federal desbarata na fictícia cidade de Silver Lode com um mandato de prisão e execução para o protagonista. A elaboração narrativa do filme pulsa essencialmente nesse conflito: os habitantes de Silver Lode serão convencidos pelo delegado federal a execrarem Ballard? Um a um dos mais proeminentes e simbólicos cidadãos do povoado se voltará contra Dan, indicando-o num caminho sem volta rumo à autodestruição.

O roteiro faz questão de ressaltar que Ballard, embora tenha habitado Silver Lode por apenas dois anos, é um cidadão proeminente, próspero e muito íntegro, e a ação do filme transcorre justamente no dia em que ele está prestes a se casar com a filha do homem mais poderoso da cidade. Inicialmente, o jeito esguio e misterioso do delegado Ned McCarty (Dan Duryea, numa alcunha nada sutil) traz profunda desconfiança aos amigos de Dan, que ficam a seu lado e conseguem protelar a prisão por duas horas, afim de que o herói provasse legalmente sua inocência. 

O desenrolar da história coloca Ballard em situações que incessantemente jogam por terra sua suposta inocência e ele acaba perseguido pelo seu povo. O juiz, o advogado, o cunhado, o sogro e o xerife, tão personagens quanto figuras simbólicas caracterizadas pelos seus papeis sociais, inicialmente alinham-se junto à Ballard, mas um a um voltam-se contra o próprio, afim de perseguí-lo e prendê-lo.

Homens Indomáveis possui um plano de fundo político e social proeminente, mas sua grandeza reside no trabalho cinematográfico de Allan Dwan. Complexo na execução, o resultado formal expressa uma solidez imagética e consistência narrativas impressionantes. O que a maioria dos cineastas retratariam em dez planos, Dwan executa magistralmente com quatro. O cineasta dispõe no mesmo plano personagens concordantes, utilizando-se bastante de planos americanos e primeiros. Seus planos e contraplanos expõem fissuras narrativas profundas, estabelecendo diálogos de profundidade que proferem a jornada de cada personagem dentro da história. 

Como manifestação de perícia técnica, o filme ainda oferece um grandioso plano sequência, filmado numa mistura de travelling e pan: Ballard é arremessado no centro de Silver Lode, com suas edificações insólitas ergendo-se acima da terra vermelha, num momento em que todos os habitantes estão armados e autorizados pelo delegado a abrirem fogo contra ele, no primeiro dos dois clímaxes do filme. A câmera persegue lateralmente o personagem de John Payne enquando ele atira, se esquiva e se protege dos disparos de revólver em sua direção, num plano geral bastante aberto que nos remete ao resultado formal impressionante de Dwan – um plano não apenas belo visualmente, mas que manifesta o perigo e a tensão que perpassam pela história, enquanto coloca seu protagonista em locações reais que são concretas e palpáveis. O efeito dramático da cena beira o indescritível.

O cineasta faz questão de transceder as intenções políticas do roteiro que tinha em mãos para dizer algo de real peso cinematográfico. Silver Lode não é apenas um filme sobre a articulação do mccarthismo em Hollywood. A cidade que dá nome ao filme realmente eleva-se do chão num concretismo cenográfico embasbacante. O vilarejo é tão vivo que o interior de suas casas não contêm jamais toda a profundidade do plano. Pelos fundos ou beiradas da tela um pedaço exterior de Silver Lode pode ser captado por nossos olhar, através de portas incomodamente abertas ou janelas expositivamente amplas. E as ações intercedendo-se umas às outras, numa articulação visual tanto complexa quanto prazerosa para o espectador. 

Comentários (1)

Josiel Oliveira | quarta-feira, 13 de Abril de 2016 - 18:13

Bela crítica! Quando assisti a esse filme não me atentei a essa relação com o macartismo, vou considerar assistir novamente, agora com outros olhos. Porque a primeira vista o filme não me chamou a atenção, nem em relação à direção.

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