Saltar para o conteúdo

Críticas

Cineplayers

Nós acreditamos no que estamos fazendo?

7,0

Em 05 de maio de 2011, ao golear o Palmeiras por 6 a 0, no estádio Couto Pereira, em jogo válido para a Copa do Brasil, o time do Coritiba estabeleceu um recorde mundial (sim, mundial) de 24 vitórias consecutivas, feito que foi reconhecido tempos depois pelo próprio Guinness Book. A épica jornada tinha um especial significado para a instituição, já que, apenas dois anos antes, justamente quando o clube comemorava seu centenário, a equipe havia sido rebaixada para a Série B do Campeonato Brasileiro de Futebol. Para piorar, a partida que determinou o descenso – um empate com o Fluminense – ficou marcada pela invasão de torcedores no gramado e cenas de explícita violência, que provocaram a perda do mando de campo de 10 jogos, sanção que foi cumprida integralmente no torneio nacional do ano seguinte. Que história, não? Mas será que algum cineasta brasileiro se disporia a torná-la em um filme? Existiria uma demanda de público para uma obra com um tema tão específico? A conquista do Coritiba, ainda que merecedora de aplausos, transcenderia o interesse local? 

Mal comparando, essa é a história que O Homem que Mudou o Jogo (Moneyball, 2011) se propõe a contar. Uma equipe mediana da Liga Americana de Baseball, menos abastada financeiramente do que seus concorrentes mais próximos, tenta driblar as dificuldades inerentes à competição e voltar a conhecer os períodos de glória do passado. Em um determinada temporada, o gerente geral opta por abrir mão dos velhos conceitos de administração e, influenciado pelas ideias de um jovem estudante de economia, sem qualquer ligação anterior com o baseball, passa a contratar jogadores exclusivamente em uma base estatística. A pergunta que fica é: como um filme desses pode despertar o interesse de um público de fora dos EUA e não conhecedor de baseball? É dificil encontrar uma resposta exata, mas o fato é que, ao usar o baseball como um veículo para falar da crença em valores e princípios, obstinação, a determinação, a solidão e a perseverança, O Homem que Mudou o Jogo consegue driblar suas próprias armadilhas e atingir uma dimensão mais universal.

A história começa em setembro de 2001. O New York Yankees e o Oakland Athletics estão duelando para decidir quem será o campeão da Liga Americana de Baseball. Dias antes, o time de Oakland se aproximara do titulo ao ganhar as duas primeiras partidas, na casa do adversário. No entanto, a equipe da cidade que nunca dorme deu o troco nos jogos seguintes e empatou o confronto. Todas as atenções, portanto, estavam voltadas para aquele quinto e último encontro que colocaria um ponto final na disputa. Para os Yankees, a vitória representaria um alento para a cidade que ainda tentava se recuperar dos recentes atentados às Torres Gêmeas, que ocorrera no mês anterior. Para os Athletics, o triunfo significaria uma revanche da derrota sofrida para os mesmos Yankees na final de 2000.

A quase 5mil km dali, um homem está sentado nas arquibancadas vazias do Coliseu, o estádio do Athletics. Seu nome é Billy Beane (Brad Pitt), o gerente geral da equipe. Ele escuta a narração da partida por um radinho de pilha. Apreensivo, liga e desliga o aparelho, como se pressentisse o pior. O jogo acaba e os Yankees são os vencedores. Apesar de todos os esforços, os Athletics terão que esperar mais um ano para tentar reeditar o tricampeonato de 72-74 e a conquista de 1989. Para piorar, a nova temporada promete ser até mais difícil, já que seus três principais jogadores foram adquiridos por times adversários com orçamentos infinitamente mais poderosos.

Um dia, em uma reunião no Cleeveland Indians, Beane conhece Peter Brand (Jonah Hill), economista formado em Yale, nerd até o último fio de cabelo e cujas opiniões são sempre levadas em consideração pelos gerentes na hora da compra ou venda dos jogadores. Em off, Brand revela a Beane seu método: em vez de contratar estrelas que nem sempre justificavam os altos investimentos, o melhor seria gastar em atletas que realmente poderiam trazer o retorno esperado. Para tanto, Brand valia-se de um verdadeiro arsenal de dados estatísticos que externavam as principais virtudes de cada jogador, e que normalmente passavam despercebidos até mesmo dos entendidos no esporte. Beane gosta da idéia, agrega Brand ao seu staff, e, mesmo a contragosto dos demais cartolas e do técnico da equipe, passa a aplicá-la no Athletics. O Homem que Mudou o Jogo se ocupará com as obstáculos que Beane encontrará na implantação da nova metodologia na reconstrução do time na temporada de 2002.

Sendo uma das paixões nacionais, é natural que o baseball seja um tema recorrente no cinema americano. As particularidades do jogo e as várias histórias que giram ao seu redor, permitem que a abordagem se dê por uma via mais clássica, como em Ídolo, Amante e Herói (The Pride of the Yankees, 1942) e Um Homem Fora de Série (The Natural, 1984); por meio da comédia juvenil, Garotos em Ponto de Bala (The Bad New Bears, 1975); da comédia romântica, Sorte no Amor (Bull Durham, 1988) e Amor em Jogo (Fever Pitch, 2005); do drama espírita, Campo dos Sonhos (Field of Dreams, 1989); do musical, A Bela Ditadora (Take me Out to the Ball Game, 1949); do thriller meio sem pé nem cabeça, Estranha Obsessão (The Fan, 2005); e até mesmo pelo ponto de vista feminino, Uma Equipe Muito Especial (A League of Their Own, 1992). O Homem que Mudou o Jogo é o mais novo integrante deste escrete. A diferença aqui é que o foco não está no que acontece dentro dos limites do diamante (embora isso evidentemente tenha sua relevância), mas sim em tudo aquilo que ocorre fora dele. Essa distinção é essencial porque o afasta dos clichês do gênero e, consequentemente, o torna bem mais atraente do que simplesmente “mais um filme sobre baseball”.

Creio que o verdadeiro tema de O Homem que Mudou o Jogo é a possibilidade de mudar o rumo das nossas vidas a partir da crença e da defesa inabalável de um princípio. Por mais piegas que isso possa parecer, é nisso que o personagem de Brad Pitt se apega. Decepcionado por mais um derrota na partida final da Liga Americana de Baseball, Beane sabe que terá que reconstruir seu time praticamente do zero. Seus três principais craques se foram. O presidente do clube já lhe adiantou que não haverá grana extra para gastar com contratações mais ousadas. Seu time de olheiros, com que é obrigado a discutir a reformulação do plantel, ainda está arraigado em idéias antigas, que privilegiam a imagem do atleta, a capacidade de ele arrumar uma bela namorada, e de atrair público para os estádios. Quando Beane abraça o método estatístico implantado por Peter Brand, ele decide ir até o fim, nem que isso lhe custe o próprio emprego. Nem as seguidas derrotas que o Athletics sofre no início da temporada o fazem mudar a rota. Para Beane, a regra que passa a vale é: adapte-se ou morra!. Em um determinada cena, Beane e Brand são obrigados a prestar contas ao presidente. A ele pedem mais paciência porque os resultados virão com o tempo. Mais à frente, quando Brand, contrariamente aos números por ele mesmo levantados, não concorda com a dispensa de um determinado jogador, Beane coloca o tema em pauta: nós acreditamos no que estamos fazendo? Na prática a teoria pode até não funcionar – quem garante que os atletas vão render o realmente esperado? – mas a mensagem de O Homem que Mudou o Jogo é que acima de tudo está o quão fiel nos mantemos aos nossos princípios. Parece ser pouca coisa, mas em tempos atuais, em que as pessoas demonstram ter perdido mínimas noções de ética e honestidade, não é.

O roteiro de O Homem que Mudou o Jogo, baseado em livro de Moneyball – The Art of Winning an Unfair Game, de Michael Lewis, foi escrito por Steven Zaillian e Aaron Sorkin. O primeiro levou o Oscar em 1993, por A Lista de Schindler (Schindler´s List, 1993), e o segundo, em 2010, por A Rede Social (The Social Network, 2009). Dupla de respeito, portanto. De acordo com alguns sites americanos, o texto foi escrito simultaneamente por ambos. Se isso for verdade, é difícil precisar a contribuição de cada um no resultado final. Aqui de fora, prefiro acreditar, apenas baseado no estilo dos roteiristas, que o sentido de estrutura deve ser creditado na conta de Zaillian, enquanto que os diálogos, na de Sorkin. Uma das grandes virtudes do roteiro é criação de diversas confrontações entre os personagens, o que permite a construção de longas sequências, sustentadas no limite pelos atores, e em que a palavra é o elemento principal. Duas merecem destaque: a primeira é a conversa entre Beane e o presidente do Athletics, quando o primeiro revela ao segundo que, sem um orçamento maior, não há como montar uma equipe competitiva para a temporada seguinte. E a segunda, talvez o melhor momento do filme, é a cena em que Beane e Brand, ao telefone, compram e vendem jogadores. São quase cinco minutos de um tiroteio verbal e corporal, brilhantemente encenados, em um autêntico tour-de-force de Pitt e Hill. Em certo sentido, especialmente nestes diálogos taco no taco, pode-se dizer que O Homem que Mudou o Jogo lembra A Rede Social.

O roteiro também é rico em revelar os bastidores não tão nobres e glamourosos do mundo do baseball. Vemos que os atletas são verdadeiras mercadorias, que podem se trocados, emprestados ou demitidos a qualquer momento (no futebol brasileiro, há uma norma que proíbe a transação de um jogador que tenha disputado mais de sete partidas do mesmo campeonato), e sem muito papo furado. O filme revela que o gerente geral influencia diretamente na escalação do time, e, quando percebe que estão sendo desrespeitado, não pensa duas vezes em se desfazer do jogador que, segundo ele, não deve se escalado. Quanto à metodologia estatística aplicada por Beane, o roteiro não enfrenta adequadamente um dilema posto pela própria história: se ela caiu como uma luva para a longa temporada do Athletics, por que não serviu para o triunfo na decisão final (o que, talvez, desse razão para os detratores do novo esquema, que defendiam que o baseball não era uma ciência exata e que, por isso mesmo, o bom senso e o instinto tinham mais valor que planilhas e relatórios numéricos)? Além disso, muitas das histórias reveladas pelo filme, podem ser aplicadas por analogia ao futebol brasileiro, o que demonstra que todos os esportes, independentemente da sua nacionalidade, têm mais a esconder do que sonha nossa vã filosofia.

O Homem que Mudou o Jogo é o primeiro filme de Bennett Miller após sua estréia em Capote (Idem, 2005). O diretor só se incorporou ao projeto após o afastamento de Steve Soderbergh, que pretendia realizar o filme com uma pegada mais documental. O estilo de Miller permanece sóbrio e formal. Ele sabia que tinha um ótimo roteiro nas mãos e tentou fazer o mínimo para não atrapalhar. Por vezes, dá umas derrapadas ao perder intencionalmente o foco da câmera, como se o artifício agregasse alguma dramaticidade à cena. A filmagem das partidas encontra um bom equilíbrio entre a encenação e o uso de material de arquivo. Os flashbacks são rápidos e inseridos de forma orgânica à narrativa (ainda que eu possa reclamar da pouca semelhança entre Brad Pitt e o ator que o interpreta na juventude). No geral, Miller se sai muito bem, mas fica uma sensação que O Homem que Mudou o Jogo é um filme mais de roteiro do que de direção.

Brad Pitt, que também surge nos créditos como um dos produtores da fita, domina o filme. Os anos lhe fizeram bem como ator. Ao contrário de Leonardo Di Caprio, que não perde o rosto de bebê, Pitt já deixou para trás o ar de garoto irresponsável dos tempos de Thelma e Louise (Thelma & Louise, 1991) e aparvalhado de Encontro Marcado (Meet Joe Black, 1998). Seu rosto já possui uma autoridade natural que lhe permite assumir personagens mais velhos de forma convincente. Além disso, a idade parece lhe ter trazido um relaxamento de espírito que se reflete no minimalismo das suas últimas interpretações [não esqueçamos que, em 2007, ele recebeu o prêmio de melhor ator no Festival de Veneza por O Assassinato de Jesse James pelo Covarde Robert Ford (The Assassination of Jesse James by the Coward Robert Ford, 2007). O Brad Pitt que vemos em O Homem que Mudou o Jogo é um homem obcecado pelo baseball. Se de um lado esta obsessão transformou Beane em um homem competitivo por natureza (como ele mesmo diz, seu ódio pela derrota é maior que o gosto pela vitória), de outro, o fez um ser solitário, com um casamento fracassado, e uma relação esporádica (ainda que terna) com a filha adolescente. Beane não se permite se tornar amigo dos seus atletas, já que precisa ter a liberdade e a objetividade suficiente para demiti-los, vendê-los e trocá-los quando for necessário. E, por superstição, permanece sozinho até mesmo na hora dos jogos, quando prefere dedicar-se a exercícios físicos na academia ou a vagar de carro sem rumo definido. Sua visão do esporte nada romântica talvez seja derivada de uma auto-frustração com o insucesso da sua carreira de jogador e a não confirmação dos múltiplos talentos que revelara na juventude. O olhar vazio de Pitt denuncia essa amargura. É especialmente feliz o rápido e silencioso plano em que o ator, na sala de espera do Cleeveland Indians, observa os quadros pendurados na parede que retratam os antigos atletas da equipe. Dá para perceber que o Pitt de O Homem que Mudou o Jogo está a anos luz do exibicionismo de Lendas da Paixão (Legends of the Fall, 1994) ou do heroísmo de Tróia (Troy, 2004). E é esse lado imperfeito, intempestivo e humano que aproxima o público do personagem.

Do resto do elenco, o destaque vai para Jonah Hill. Na pele de Peter Brand, Hill dá uma guinada na carreira, até então praticamente formada apenas de comédias juvenis (algumas, inclusive, muito boas), e se aventura em um material mais sério e adulto. É interessante observar a evolução do seu personagem ao longo da narrativa. No início, esconde-se atrás das estações de trabalho do escritório administrativo do Cleeveland Indians. Quando Beane o indaga sobre sua metodologia, ele sequer consegue encará-lo nos olhos. É seu primeiro emprego, dentro ou fora do baseball. Na primeira tarefa que lhe é solicitada por Beane, Brand, ainda tímido e inseguro, diminuiu a qualidade do seu próprio trabalho. À medida que a relação entre ambos se intensifica, ele vai ganhando confiança, aprende a demitir jogadores e a enfrentar seus desafetos. Ao final, Brand já não tem o mesmo olhar de um menino assustado. Um homem está sendo forjado ali.

Além de Pitt e Hill, Philip Seymour Hoffman faz o técnico do Athletics, que entra em rota de colisão com as ingerências de Beane. Seu personagem é pouco desenvolvido, o que me leva a crer que a utilização de um ator do calibre de Hoffmam para um papel tão pequeno se deve muito à relação de amizade entre ele e o diretor Benedit Miller, que o dirigiu em Capote e que lhe valeu o Oscar em 2005. Completam o elenco a atriz Robin Wright, que interpreta a ex-esposa de Beane, e Spike Jonze, em participação não creditada, como o seu atual marido. Ambos têm apenas uma cena.

No resumo da ópera, fica o recado: deixe de lado seus eventuais preconceitos, desconhecimentos e desinteresse sobre o baseball. O Homem que Mudou o Jogo é um belo filme.

Comentários (18)

Ulisses Campos | quinta-feira, 23 de Fevereiro de 2012 - 16:37

Assistir! Ok, parece chato muitas vezes, ainda assim foi o bom filme com uma boa atuação de Brad Pitt

Patrick Corrêa | quinta-feira, 23 de Fevereiro de 2012 - 20:36

Tirando um ou outro excesso de termos técnicos, o filme é muito bom.
Pitt cada vez mais maduro e um final um tanto desconcertante.

Ana Paula de Oliveira Azevedo. | sábado, 25 de Fevereiro de 2012 - 04:16

É um filme bem "americano", mesmo... e em alguns momentos, meio tedioso, mas vale a pena assistir até o final. Ótimo!

Faça login para comentar.