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Críticas

Cineplayers

O padrão de qualidade Marvel.

6,5
Quando Edgar Wright deixou a direção do filme Homem-formiga (2015) por divergências criativas com o Marvel Studios, resultando no filme de Peyton Reed, uma série de problemas então recorrentes dos filmes realizados pelo estúdio se expunha: a relação difícil entre a companhia e a equipe criativa, a crescente padronização dos filmes no universo cinematográfico e o desinteresse geral por se investir em um projeto minimamente alternativo a esse padrão estabelecido. Se o tempo no circuito tem aos poucos transformado os filmes da Marvel — tornando-os, digamos, mais carismáticos —, ajudando o estúdio, pelo menos desde Guardiões da Galáxia Vol. 2, a disfarçar um pouco essa faceta mais industrial, os novos filmes começam a mostrar suas próprias repetições e um cansaço, também, desse “novo” formato.

Pode não ser coincidência que o segundo filme de Peyton Reed com a casa seja, mais uma vez, aquele a apresentar os problemas que passam pelo universo cinematográfico da Marvel como um todo. Não digo que o diretor não tenha um trabalho criativo específico com que contribuir — ele o tem, e bem mais em Homem-Formiga e a Vespa (2018) que no filme anterior —, mas é de algum modo ainda surpreendente como Reed adota o estilo do estúdio de maneira tão característica.

Apesar do que o título sugere, a mudança em relação ao filme anterior é bem menos em termos dos personagens e da dinâmica entre eles que em termos de estilo. Scott Lang, o Homem-Formiga interpretado por Paul Rudd, ainda é basicamente o protagonista do filme. A sua companheira de equipe, Hope Van Dyne, ou Vespa (Evangeline Lilly), tem mais espaço nas sequências de ação, mas Homem-Formiga e a Vespa ainda é conduzido pela trajetória do personagem de Lang e por seu próprio percurso de formação como herói. O filme, por outro lado, como outros recentes da Marvel, está mais confortável com a comédia e apropriadamente adaptado ao gênero. Há também uma maior disposição por perceber a trama como uma continuidade do universo cinematográfico mais amplo, sem se limitar a um texto particular aos personagens ou ao investimento dramático em desenvolvimentos independentes do contexto de outros filmes.

Embora isso não seja um problema por si só (acho interessante que a Marvel assuma e dê conta dessa continuidade mais sofisticada com os outros produtos, inclusive, em algum nível, os da televisão), a tentativa de apresentar novos personagens e conflitos, quando vinculada a um desinteresse de levar esses mesmos personagens e conflitos adiante, mostra-se o problema mais sério do filme, que é incoerente e empobrecido no tratamento de personagens como a vilã Ava (Hannah John-Kamen) e o cientista Bill Foster (Laurence Fishburne), desperdiçados em uma subtrama atrapalhada e incongruente. A insistência em se recorrer a um antagonismo bem demarcado para os heróis (outro problema que já vem de outros filmes da Marvel) impede, inclusive, que o texto do filme desenvolva com mais cuidado a relação de Hank Pym (Michael Douglas) e a filha com a ausência da Vespa original, Janet Van Dyne (Michelle Pfeiffer), e o esforço para trazê-la de volta do mundo quântico.

Enquanto o texto se perde nesses problemas de estrutura, a direção de Reed já é (até certo ponto e sempre dentro dos limites de adequação aos padrões da Marvel) mais acertada. O primeiro ato do filme, até a apresentação das motivações da antagonista, demonstra um domínio muito apropriado do diretor tanto do gênero do super-herói e da comédia quanto do formato do estúdio. As cenas de ação são sempre bem dirigidas (embora distribuídas de maneira um tanto afobada pela narrativa), utilizando-se bem da visualidade que os personagens oferecem, e inclusive se aproveitando acertadamente da especificidade cinematográfica dessa dinâmica. Isso por si só já justifica a opção por um personagem mais cômico no traje do herói, considerando que o sisudo Hank Pym não permitiria a Reed o mesmo exercício formal que as interações de Scott Lang e Hope Van Dyne com seus poderes e com o espaço cênico permitem.

É preciso dizer, também, que mesmo na enorme (e ainda em crescimento) sequência de heróis cômicos da Marvel — os bobos carismáticos que vão de Thor (Chris Hemsworth) ao Homem-Aranha (Tom Holland) — o trabalho de Paul Rudd como Scott Lang consegue se destacar muito bem. A boa realização do elenco (não só Rudd, como Lilly, Michael Peña, a excelente revelação Abby Ryder Forston e até participações menores, como Bobby Canavale, Judy Greer, T.I., David Dastmalchian e Randall Park) opera mais organicamente o humor do filme, uma grande vantagem que Homem-Formiga e a Vespa tem em relação à franquia Guardiões da Galáxia, por exemplo.

O equilíbrio do filme, entre a comédia e a construção dos personagens, prejudica-se precisamente na incapacidade de Reed de comprometer o arranjo típico dos filmes deste universo cinematográfico. A expansão da Marvel já tem forçado o estúdio a buscar algum tipo, por mais mínimo que seja, de diferenciação ao padrão geral a partir do qual os primeiros filmes foram organizados. Mas, se dois anos desta repaginação já foi o bastante para expor seus pontos fracos, talvez seja necessário ao estúdio realmente repensar esse tipo de controle criativo e permitir a cada filme o seu próprio apreço para o quão confortáveis eles se devem fazer dentro do sistema. É evidente que Peyton Reed e o estúdio trabalham satisfatoriamente bem juntos, mas há muito ainda a ser dissuadido desse dito padrão Marvel de qualidade.

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