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Críticas

Cineplayers

Um novo lar.

7,5
Todas as três leituras cinematográficas para o Homem-Aranha partem de Peter Parker como um estudante de colegial. É este, afinal, o ponto de origem do personagem, apesar de sua passagem pela adolescência ser consideravelmente breve e distante nos quadrinhos. Há um apelo óbvio, principalmente a um público mais novo, na ideia do super-herói que está na escola. Apresenta-se o personagem como um adolescente rejeitado, o seu interesse amoroso como a rainha do baile, o ganho de poderes aparece como uma metáfora para a puberdade, e a vitória sobre o valentão surge como o primeiro ponto de reviravolta para o herói. E o personagem é assim desenvolvido, apoiando-se em um estereótipo de cada vez.

Homem-Aranha: De Volta ao Lar, como os outros filmes, utiliza-se desses estereótipos, mas dessa vez não como um mero arco de etapas para a jornada do herói. O filme realmente se apropria desse imaginário do colegial americano, brinca com seus tipos e clichês (o clube de debate, a detenção, o baile de homecoming). O fator super-herói surge aqui como o remate de um filme coming of age: o garoto que luta contra o crime na hora do recreio.

Ao se aproximar desse mundinho típico do cinema adolescente, o filme coloca Peter Parker (Tom Holland) à margem do universo cinematográfico da Marvel, agindo sobre as ruínas deixadas pelas aventuras do elenco principal de super-heróis. O filme todo, mesmo pontuado pela participação de Tony Stark/Homem de Ferro (Robert Downey Jr.), percebe os Vingadores como um sonho distante.

Na primeira cena, um desenho infantil representando a equipe na luta contra Loki em Nova York toma a tela. O vilão do filme (Michael Keaton) segura essa imagem em suas mãos e comenta sobre essas figuras. Ele é um operário que trabalha com os detritos dessa grande batalha, e a vitória de um enfrentamento entre deuses diz muito pouco para ele além de entulhos a serem transportados. Quando rouba alguns dos materias alienígenas que ficaram entre as ruínas para fabricar armas, ele só consegue se tornar um projeto de super-vilão, sem nunca alcançar a mesma dimensão de ameaça daqueles que antes detinham a mesma tecnologia. Na segunda sequência introdutória, vemos uma série de filmagens de um tipo de diário em vídeo mantido por um Parker muito extasiado durante os eventos de Capitão América: Guerra Civil.

O desenho da primeira cena, o trabalho do vilão e a atitude deslumbrada de Parker diante do mundo em que foi abruptamente inserido afastam De volta ao lar da ação principal, acenando até mesmo para o contexto de produção do filme: um acordo de colaboração muito singular entre a Sony e a Marvel Studios. E estabelecer essa distância fez muito bem ao objetivo de introduzir o personagem e seu entorno. De volta ao lar é um filme bem resolvido em si mesmo, e não está preocupado — como os dois Espetacular Homem-Aranha, por exemplo — em juntar o máximo possível de referências para o universo do cabeça de teia e garantir ganchos para uma longa série cinematográfica.

O que se percebe esgotado, no filme, nunca é o personagem, mas o esquema típico do filme de super-herói, que aqui se repete: o herói se depara com o perigo do antagonista em uma primeira cena de ação, tem um avanço significativo na segunda, um recuo frustrante na terceira e uma vitória final na quarta. Pode ser um pouco decepcionante antecipar quase todo o caminho da trama. É curioso perceber, no entanto, que as viradas e soluções realmente interessantes e até mesmo originais do filme não se dão para o Homem-Aranha, mas para Peter Parker.

De Volta ao Lar parece procurar um pouco o tom juvenil e contemporâneo do Aranha de Miles Morales nos quadrinhos. O ambiente escolar, além de mais presente, é menos caricato do que os outros filmes — dessa vez é possível ao menos conceber os atores como adolescentes em idade de colegial —, e a recriação dos personagens é bem simpática. Ned Leeds (Jacob Batalon) foi totalmente repaginado à semelhança de Ganke, o amigo e ponto de confiança de Miles nos quadrinhos. Tony Revolori faz uma ótima leitura pro Flash como um bully que ninguém leva a sério. Tia May (Marisa Tomei) é conduzida a uma relação de um pouco mais de igualdade com Peter. E há um boa surpresa reservada para Michelle (Zendaya).

Agrada-me que, ao mesmo tempo que esses atores evocam personagens queridos, é dada bastante liberdade para subvertê-los e trazer assim algo de novo para esse cenário do Homem-Aranha — é um tipo de relação mais saudável com o material originário que as adaptações para a televisão e serviços de streaming têm adotado com mais frequência que o cinema. O último gancho de De volta ao lar é delicioso e mostra que ainda há bastante espaço para o personagem nesta nova franquia, mesmo distante dos Vingadores, em bons e melhores filmes.

Comentários (2)

Diego Henrique Rezende | sexta-feira, 21 de Julho de 2017 - 17:45

As crianças irão gostar bastante. E só. É verdade que as piadinhas padrão Marvel funcionam de forma até satisfatória. Divertem. Mas é um divertimento que dura instantes. Julgo que esse vício frenético de lançar (e relançar, que é o caso aqui) filmes cujas estórias se entrelaçam aos borbotões configura um certo desespero. Níqueis, em outras palavras. Mais níqueis, menos Qualidade. Ou apenas eu julgo o primeiro filme (Sam Raimi) bastante superior a esse?
E o mesmo tem de ser dito sobre Homem de Ferro, Thor etc.
Em tempo: até o M. Night Shyamalan entrou nessa de rebut ou continuação, que seja. Melhor que não fosse.

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