Não sei quais dos muitos méritos da estreia em longa-metragens de Daniel Ribeiro ressaltar primeiro. Acho que vale começar com um bem óbvio: gay assumido, e trabalhando desde seus curtas com o tema, como é saudável observar que seu primeiro longa é tudo, menos um filme militante chato e fechado em seu universo. Na verdade, ser gay está em segundo plano no filme. Ou terceiro. Se é que está colocado abertamente em discussão.
Na verdade a palavra que talvez melhor defina Daniel desde seus curtas seja delicadeza. E foi imbuído dessa ferramenta tão incomum no mundo de hoje que o jovem diretor se vestiu e foi à luta, e é assim que ele vence qualquer 'senão' que por ventura seu filme pudesse ter.
A essa altura todos sabem que Hoje Eu Quero Voltar Sozinho (idem, 2014) é um desdobramento de um de seus curtas, Eu Não Quero Voltar Sozinho (idem, 2010), e que seu trio de protagonistas volta em carne, osso e alma por aqui. Leonardo é um adolescente cego que só tem uma amiga no colégio, Giovana. Juntos eles criam um bloqueio contra o bullying sofrido no ambiente escolar inclusivo, onde Leo é o único deficiente visual. A vida caminha normal e plácida até a chegada de Gabriel, que vem desestabilizar a amizade do casal, já que ambos se sentem atraídos pelo rapaz. E isso é basicamente o que há de concreto por trás do longa.
Mas Daniel Ribeiro definitivamente não tinha em mente um filme concreto, mas um filme regado a sentidos e (mais uma vez ela) delicadeza. ‘Hoje...' é um filme que talvez toque tanto por focar tanto na urgência e necessidade do toque, na qual o filme se debruça sabiamente. Sua força e talvez grande mérito talvez enfraqueça os pequeninos defeitos por ser um dos filmes nacionais recentes cuja pretensão inexiste; é tudo coração e sensibilidade, da forma mais pura e simples possível. E o filme mostra como ela é muito possível.
Quase indo por um caminho de radiografia de um único personagem (numa comparação mais reducionista e injusta, uma espécie de Adèle menos intensa e sangrenta), logo percebi que o filme queria falar mais do que de Leo “leãozinho”, e mais exatamente de uma geração nova que precisa nascer, mais preocupada com o que se tem para ofertar do que o que tem para tomar. Me chamem de sentimental, mas existe um filme de uns 20 anos atrás que recebeu aqui no Brasil um título cheio de poesia, bem melhor que a produção em si: Alguém para Dividir os Sonhos (The Saint of Fort Washington, 1993). Pois eu acho que é isso que Daniel está interessado em transmitir e buscar, regado de singeleza.
O já citado trio de protagonistas, recrutado lá no curta e que retorna ao filme, permanece muito afinado – e, bizarramente, parece não ter envelhecido um dia em comparação à produção anterior, mesmo havendo mais de 3 anos de diferença entre elas. Mas é de fato de Guilherme Lobo a tarefa mais difícil, e ele continua encantando. À época do curta, muitos pensaram inclusive se tratar de um rapaz realmente deficiente visual, tal sua construção impressionante da realidade de um cego. São mãos, movimentos, caminhar, todo um gestual que não ajuda somente a grandeza de seu trabalho, mas também o geral pretendido pela produção de fazer o máximo com o mínimo.
Estando cada vez mais raro encontrar algo tão fino e cheio de significados, tão não-preocupado em mandar mensagens de auto ajuda, e sim de mostrar a pureza em seu despertar, que fica pequeno e deslocado reclamar que o pai de Léo, vivido por um ator tão supremo como Eucir de Souza, tenha participação reduzida, ou que o filme pudesse contribuir mais para uma maior integração social de deficientes visuais. O filme é o que é, e sua carpintaria calcada na sutileza dá conta de mostrar, a quem quiser ver, muito do que está nos cantinhos da narrativa, iluminando com precisão um caminho que seria trilhado com mãos talvez mais duras. Daniel se mostra o mais hábil na empreitada que ele mesmo parece interessado em difundir, rumo à felicidade talvez ingênua de descobrir o amor e nos deixar invadir por ele.
Esse filme é incrível. Saí do cinema pulando. Uma nota 10 é perfeitamente justificável, pra quem se guia pela sensação que teve ao terminar de assistir ao filme.
Aquele final é de deixar um sorriso no rosto do espectador. Pelo menos foi assim comigo e com todo mundo da minha sessão.
O filme é de fato uma delícia. Muito delicado... O tempo passa num instante. Eu só me assustei no início porque a história do longa não continua de onde o curta parou... É uma nova história, recontada. Curti.
Filme simplesmente apaixonante, assisti ontem e não esperava pela delicadeza e sutileza da história.