Saltar para o conteúdo

Críticas

Cineplayers

Mais imaginativo que o original, Hellboy II é um filme à altura do carisma de seu protagonista.

8,0

Apesar de ter se tornado uma espécie de cult em DVD após desempenho médio nos cinemas, o primeiro Hellboy nunca caiu nas minhas graças. Ao meu ver, o filme possuía um excelente protagonista, repleto de carisma e presença de cena, preso em uma produção que não fazia jus a todas as possibilidades que se abriam naquele universo. Trama sem graça, vilão insosso e imaginação limitada fizeram da primeira adaptação cinematográfica do demônio vermelho uma obra decepcionante. Bem ao contrário da continuação.

Novamente dirigido por Guillermo Del Toro a partir das histórias em quadrinhos criadas por Mike Mignola, Hellboy II – O Exército Dourado começa com a explicação sobre uma antiga guerra entre os humanos e criaturas fantásticas, e a trégua selada entre eles. É quando o Príncipe Nuada, herdeiro do trono dos elfos, decide reclamar a Terra para sua espécie, trazendo à vida, para isso, o invencível Exército Dourado. Sobra para Hellboy, o demônio que trabalha para o governo norte-americano, salvar o mundo mais uma vez.

Infinitamente mais imaginativo e narrativamente mais coeso do que o original, Hellboy II – O Exército Dourado supera seu antecessor em todos os sentidos. O primeiro ponto que salta aos olhos, sem sombra de dúvida, é o visual. A impressão que fica é a de que Del Toro, desta vez, teve liberdade completa na criação do universo fantástico de Hellboy: direção de arte, figurinos, efeitos visuais e as centenas de criaturas demonstram a absurda criatividade do cineasta, lembrando, inclusive, os melhores momentos de O Labirinto do Fauno.

E os seres absurdos que povoam Hellboy II merecem toda ovação possível. Se no filme original as criaturas limitavam-se a um monstrengo sem graça que se repetia incessantemente e ao polvo imenso do clímax, desta vez ocorre um verdadeiro desfile de bizarrices, um mais fascinante que o outro. Das fadas-dos-dentes ao cabeça de igreja, do gigante-floresta ao anjo da morte, Del Toro se esbalda, optando acertadamente por não usar computação gráfica quando possível. O mercado dos trolls, por exemplo, é genial, uma verdadeira babel de criaturas das quais é impossível desviar o olhar.

Não são apenas os coadjuvantes, porém, que se destacam. Abe Sapien permanece como uma incrível realização da equipe técnica, com maquiagem irrepreensível que permite fluidez aos movimentos do ator Doug Jones. Além disso, em Hellboy II o personagem ganha mais destaque do que no original, inclusive com um interesse amoroso, apesar de breve, bem construído por Del Toro. O mesmo vale para Johan Krauss, interessante e divertida figura (o “Chupe meu schwartzalgumacoisa” que ele larga é sensacional) que repara um dos erros do filme anterior: a inócua presença do agente Myers.

Mas é o Vermelhão quem comanda o show mais uma vez. Irreverente, anarquista, irônico, mas com um bom coração, Hellboy é um personagem que merecia um grande filme, o que acontece aqui na segunda tentativa. Ron Perlman, novamente, encarna de forma impecável o demônio, destacando-se mesmo debaixo de toneladas de maquiagem (perfeita, diga-se de passagem) e demonstrando timing cômico invejável a grandes comediantes. Suas tiradas funcionam melhor em Hellboy II e é difícil escolher a mais inspirada – ainda que a cena em que ele e Abe tomam um trago seja, desde já, minha favorita.

Enquanto isso, Seth McFarlane é o vilão que também faltou ao filme original. Ameaçador e com motivos justificáveis, o Príncipe Nuada não é apenas um maluco querendo dominar o mundo, mas alguém que acredita estar retomando o que é seu de direito – o que o torna muito mais interessante. Além disso, Del Toro apenas coloca ele e Hellboy em contato após estabelecer que o Príncipe Nuada é um guerreiro e, portanto, capaz de enfrentar o Vermelhão de igual para o igual. Em Hellboy II, o demônio tem um antagonista à altura e, ainda que saibamos que Hellboy irá vencer ao final, é sempre interessante acreditar que ele poderia sair derrotado.

E não são apenas os duelos entre protagonista e vilão que ganham destaque. Em Hellboy II, todas as cenas de ação funcionam, seja pela tensão (Hellboy vs. o monstro-floresta), pela criatividade (Hellboy vs. Exército Dourado) ou simplesmente por serem divertidas (Hellboy no mercado dos trolls). Há, ainda, ums ótima seqüência envolvendo bonecos de madeira em stop-motion, uma opção corajosa de Del Toro e que acrescenta mais alguns pontos ao filme. Os efeitos especiais, enquanto isso, são impecáveis e contribuem para fazer de Hellboy II um verdadeiro espetáculo visual.

Hellboy II, porém, não limita-se ao apelo estético. A trama, simplista na obra original, aqui é mais imaginativa e bem-amarrada, ainda que pouco traga de inovador. A surpresa fica por conta do dilema existencial vivido pelo protagonista. Sem a necessidade de apresentar os personagens (tarefa, essa sim, cumprida com eficácia no primeiro filme), Del Toro encontra espaço para levar um conflito ao coração de Hellboy: vale a pena continuar defendendo os humanos se eles o desprezam? A pergunta, que coloca o protagonista em dúvida quanto ao seu papel, traz alguns bons momentos de reflexão e parece que ganhará mais destaque em uma futura continuação.

Ainda assim, Hellboy II – O Exército Dourado é, em sua essência, um filme-pipoca, feito para agradar platéias adolescentes. Mas é um filme-pipoca mais do que recomendável, realizado com criatividade e imaginação. Guillermo Del Toro conseguiu, desta vez, construir uma obra à altura de seu divertido protagonista. E ele merecia.

Comentários (1)

Cristian Oliveira Bruno | quarta-feira, 27 de Novembro de 2013 - 13:20

Acredito que o entre os lançamentos de Hellboy 1 e 2, Del Toro aumentou muito seu prestígio em Hollywood, o que lhe deu liberdade de explorar todo seu potencial criativo e imaginário, que não é pouco.

Faça login para comentar.