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Hamilton

(Hamilton, 2020)
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Quem conta a história? Hamilton e o legado estadunidense numa obra da Broadway

10,0

Direto da Broadway e carregando consigo um grande êxito, o musical Hamilton chega ao Disney Plus em forma de gravação profissional desde o próprio Richard Rodgers Theatre, teatro em que a obra é interpretada em Nova York. Vencedor de 11 prêmios Tony, escrita e composta na sua totalidade por Lin-Manuel Miranda, narra a história de um dos pais Fundadores dos Estados Unidos, o primeiro Secretário do Tesouro, Alexander Hamilton.

A obra mostra como o seu protagonista vive em permanente luta para deixar a sua marca na História. Devemos dedicar toda a vida por uma causa ou um sonho? Centra-se em refletir sobre os limites da ambição, como vemos em canções como My Shot sobre não desperdiçar oportunidades ou Non-Stop, número musical de encerramento do primeiro ato que narra a ascensão do protagonista ao cargo de Primeiro Secretário da nação.

A permanente cobiça de Hamilton revela-se também nos seus vínculos pessoais, por exemplo, na sua relação amorosa com Elisa Schuyler, que chega a compará-lo com a figura de um Ícaro. Personagem de grande peso narrativo, Elisa luta por mostrar ao marido que não deve estar obsessivo por ser recordado pela posteridade, tendo em That Would be Enough ou Stay Alive duas das canções mais dilacerantes do filme.

Vemos em Hamilton (2020) a predominância de números musicas durante seus dois atos, conta com um total de 47 canções, limitando o diálogo a breves espaços de tempo quase inexistentes ou que formam parte de alguma canção. Um dos aspectos mais característicos da obra é a simbiose produzida pelos fatos históricos relatados - entre os séculos XVIII e XIX - e o estilo urbano da música, essencialmente a mescla do hip-hop com outros gêneros contemporâneos como R&B e o Soul.

Além disso, o musical possui o elenco formado por artistas de todas as etnias e cores de pele, priorizando aquelas que foram marginalizadas ou maltratas durante a História, especialmente latinos e negros. Escolha importante de Lin-Manuel Miranda, já que durante o período histórico retratado o racismo estava mais do que presente. Chama a atenção ver personagens como George Washington, dono de mais de 300 escravos, sendo interpretado por Cristopher Jackson ou Isaiah Johson. Além da revolucionária representação racial, destaca-se também a importante presença feminina, já que a obra percorre não só a vida do protagonista, mas também de sua esposa. O empoderamento da mulher registra-se fundamentalmente em Elisa, mas também nas suas três irmãs, Eliza, Angelica e Peggy Schuyler, defensoras dos diretos das mulheres, algo completamente inviável para o tempo relatado.

Boa parte dos músicas da Broadway que vimos chegar às telonas tratam-se de adaptações cinematográficas; Os Miseráveis (2012), de Tom Hooper, Caminhos da Floresta (2012), de Rob Marshall, ou recentemente lançada na Netflix The Prom (2020), de Ryan Murphy, são bons exemplos, entretanto, aqui vemos a abertura de um precedente devido ao estrondoso êxito de público. Hamilton (2020) permite que o espectador se sinta sentado na primeira fila do teatro, na comodidade do seu sofá e com uma riqueza de detalhes que não podiam ser apreciadas se não fosse por este meio.

Apesar de ser tratado como uma peça cinematográfica pela plataforma Disney Plus ou por várias premiações das quais foi nominado, como o próprio Globo de Ouro, trata-se de uma filmagem profissional da obra teatral, o que não é nenhum demérito, pelo contrário, enverga planos especificamente construídos para aproximar o espectador da interpretação da Broadway, propõe uma experiência única. A mise-en-scène adotada permite converter o que podia ser apenas uma gravação fílmica numa obra que vai além do próprio gênero cinematográfico, uma combinação estética virtuosa entre teatro e cinema.

Certamente estamos falando de um novo clássico do gênero, ainda que se trate de um bebê na História dos musicais. Há apenas seis anos lançado na Broadway, Hamilton (2020) é coberto de méritos por aproximar a História dos Estados Unidos ao público de forma contemporânea e divertida, com canções e interpretações que propõem uma leitura desconstruída dos fatos. Passaram à eternidade primeiro nos teatros, e agora no cinema.

Silvia Castilla é mestra em comunicação audiovisual pela Universidade de Salamanca (Espanha), doutorando pela mesma instituição em estudos cinematográficos, focado no gênero musical.

Texto traduzido por Igor Guimarães Vasconcellos

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