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Críticas

Cineplayers

Tentativa de recriar a lenda de Mike Myers falha em praticamente todos os aspectos.

4,0

Mais conhecido pela música do que pelo cinema, Rob Zombie trouxe a si um pouco de atenção em 2003 quando dirigiu A Casa dos 1000 Corpos. Os genuínos fãs de terror viram algum potencial naquela obra, e uma sequência foi lançada com resultados também positivos. Sua próxima obra dentro do gênero seria um grande desafio: recomeçar a franquia Halloween, de 30 anos de idade, a partir do zero, reapresentando Mike Myers e o seu mundo de violência exarcebada. Com seus dois primeiros filmes, Zombie provou ter capacidade para fazer jus às expectativas – nada baixas – dos milhões de fãs da série. A pergunta fundamental, porém, é um tanto mais complicada para responder: para quê?

A única resposta plausível para a pergunta acima seria “dinheiro”. Após várias franquias terem ganhado um recomeço - O Massacre da Serra Elétrica, Sexta-Feira 13 (embora o filme seja posterior a Halloween, no Brasil ele chegou bem antes), Superman, Batman... - Hollywood expandiu a praga das refilmagens com esses reinícios: agora não apenas um filme pode ser refeito, e sim séries completas. Com raras exceções (como a do Homem-morcego), essas experiências de modernização (o termo mais correto seria idiocratização, já que hoje em dia o cinema popular é muito mais limitado em ideias do que já foi um dia, em termos gerais) têm resultados semelhantes: são infinitamente inferiores a seus originais, e os fãs de cinema ganham todos os motivos do mundo para ficarem emburrecidos e anunciarem, pela enésima vez, que “antigamente os filmes eram melhores”.

Halloween, a série, nunca foi especialmente conhecida por qualidades artísticas primorosas. Ora, trata-se tão somente de apenas mais um conjunto de slasher movies às vezes aterrorizante e outras vezes risível, principalmente no que tange às interpretações. Revelou ao mundo Jamie Lee Curtis e seu par de seios fenomenais, isso não se pode negar. Também a música-tema que, ainda hoje, é especialmente assustadora quando aplicada corretamente.

Neste recomeço da série, pouco disso permaneceu. Os personagens adolescentes continuam burros, em um nível um pouco maior agora. E, dentre todas as atrizes femininas expostas pelas lentes de Rob Zombie, não há chances do filme ter descoberto uma nova Jamie Lee. Principalmente pelo fato que as cenas de grito são totalmente artificiais – há volume, mas não há sinceridade, fluidez, ou o que quer que seja necessário para tornar um grito de cinema marcante e real.

Danielle Harris, a principal das mocinhas do filme, que interpreta uma adolescente “de boa índole”, tinha na realidade 29 anos durante o período de filmagens. É a força da maquiagem sempre presente em Hollywood. Nos dias de hoje ainda mais do que nunca. As outras atrizes fazem o básico dentro do gênero: gritam o tanto quanto podem, esperneiam na hora de serem arrastadas pelos cabelos pelo assassino, e quando abrem a boca fazem o público torcer um pouquinho mais por Myers. Com relação à violência, Halloween versão “2007” consegue demonstrar força nesse quesito sem apelar demais, comparando-o com séries como Jogos Mortais e a refilmagem de O Massacre da Serra Elétrica. Há um pouco de bom gosto no meio de tanto sangue. Só um pouco.

Inicialmente, o estúdio planejava lançar não uma revisão do filme original, e sim uma prequel, cobrindo apenas os eventos sobre a vida de Mike Myers jovem e os motivos que o levaram a se tornar o assassino serial cruel. O resultado final é um misto disso com a matança tradicional. Conhecemos, de fato, Mike Myers criança. Conhecemos superficialmente os motivos que o levaram a ser a pessoa que acabou sendo – e não há nada de novo, pois o filme mostra apenas mais uma família disfuncional – mãe prostituta, irmã vagabunda, pai abusivo etc. O porquê Mike assassinava animais desde seu tempo de infante permanece um mistério. Enfim, na tentativa de analisar o aspecto emocional do assassino (tal como O Silêncio dos Inocentes fez tão esplendorosamente com Hannibal Lecter), somos apresentados a cenas-padrão de bullying escolar, o que, claro, é o esperado para o filme que é. O problema dessa superficialidade toda é que ela apenas torna o filme excessivamente longo, ao invés de ajudá-lo.

Agora, de todos os problemas apresentados por Halloween - O Início, a maioria era bastante previsível e mesmo o mais otimista fã não poderia deixar de saber isso. O roteiro, do próprio Rob Zombie, pecou muito quando fez de Mike Myers um ser indestrutível. Enorme para todos os lados, certamente imponente em tela, Myers é tão resistente quanto um tanque de guerra, podendo levar inúmeros tiros sem que isso seja um problema para si. No mínimo, o filme perde boas doses de tensão ao tomar esse caminho. A sensação de indestrutibilidade torna as cenas de ação bastante enfadonhas, pois é fácil prever o final de cada uma delas. Mesmo o aspecto emocional dessas cenas falha, com as vítimas apelando para a psique do assassino: não há um resquício de emoção em Myers, que age como um trator todo o tempo. Aí está uma grande diferença – para o mal – com relação aos filmes originais.

O filme não é um desperdício completo pois possui uma fotografia bonita e a trilha sonora, vinda de Rob Zombie e somando-se ao tema original, ficou bastante decente. Comercialmente fez sucesso moderado nos Estados Unidos, tanto que ganhou continuação. Antes de ser lançado, o filme chegou a ter cenas e trechos completos refilmados após testes de plateia que acabaram mal. Mesmo com esse trabalho, o resultado final é absolutamente medíocre, dispensável e apenas um pouco divertido para os fãs do gênero. Os espectadores que endeusam o filme original não têm motivos para dar maior atenção a esta tentativa de recriar uma lenda, pois ela falha em praticamente todos os aspectos.

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