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Críticas

Cineplayers

Graça e embriaguez.

8,0

Pela primeira vez no circuito exibidor brasileiro, entra em cartaz um trabalho de um cineasta que há pelo menos dez, doze anos, vem realizando alguns dos melhores filmes do mundo. É praticamente um crime que, ao longo desse período todo, poucos tenham tido a oportunidade de assistir A Virgem Desnudada por seus Celibatários (Oh! Soo-jung, 2000), Turning Gate  (Saenghwalui balgyeon, 2002), Mulher na Praia (Haebyonui yoin, 2006) e O Filme de Oki (Ok-hui-ui yeonghwa, 2010), entre tantos outros. Finalmente o sul-coreano Sang-soo Hong terá um de seus filmes lançados no Brasil, Hahaha (idem, 2010), seu décimo longa-metragem e vencedor da mostra Un Certain Regard em Cannes, que dá continuidade a uma obra que não adere a modismos estéticos dessa ou de outra época, nem propõe rupturas, somente se impõe como um autêntico traço de modernidade dentro do cinema contemporâneo recente.

Normalmente não há maiores espaços para simbolismos nos filmes de Hong, que faz cinema utilizando os corpos, os deslocamentos, as perambulações tão recorrentes em cenas em que uma ou mais personagens andam pelas calçadas, ou se locomovem em algum espaço qualquer, passeando ou atravessando ruas. Ou vão para a cama (mesmo com ocasional nudez de seus atores, Hong geralmente não filma cenas de sexo, mas de amor, sempre longe de um viés sentimental ou piegas). É consenso que se trata de uma obra marcadamente dialogada, mas por causa destes corpos e deslocamentos é também um cinema eminentemente físico. Além do beber álcool e o contar histórias de um personagem pro outro, sendo que essas histórias vão resultando no filme que é Hahaha. No caso, dois amigos que se encontram para beber e conversar (o que só veremos através de fotografias still em preto-e-branco), e cada um deles relata uma história amorosa ocorrida quando estiveram, separados, numa mesma cidade litorânea.

O filme é formado então pelos dois flashbacks alternados, que à medida que vão se desenrolando revelam que ambas as histórias aconteceram na mesma época, e sem que os dois amigos se dêem conta, ligadas pelas mesmas mulheres. Os dois camaradas gargalham bastante enquanto contam suas histórias (daí a onomatopéia do título do filme), porém estamos longe de uma comédia, por mais frequentes que sejam as situações engraçadas. A narração em off é feita não por um deles, mas por um terceiro narrador, que pode contar o que os personagens não sabem, decorrendo daí muito do que de patético e tocante eles carregam.

Tudo que precisamos entender sobre o filme é o que está na tela e, em síntese, o mundo que está aí. Ainda assim, não se trata de reproduzir a realidade, mas antes de criá-la com uma sobriedade absurda e os recursos estéticos do cinema de Hong que nos permitem compreender esta realidade que muitas vezes nos soa próxima do cotidiano de qualquer um de nós. Nem tanto a captação do real, mas a apreensão dele por meio de situações dramáticas, bem-humoradas ou românticas que escondem sob a sua aparente banalidade uma densa substância de vida que faz com que seus filmes adquiram uma conotação universal. Se as situações apresentadas por Hong podem ser consideradas comuns, o tratamento que lhes é dado pelo coreano jamais pode ser confundido como tal. O diretor constrói seus filmes com uma consciência narrativa que, de tão clara, acaba por revelar uma composição cênica de um rigor apaixonante atingida apenas com muito trabalho, não por qualquer espécie de relaxamento. Num tempo em que os filmes de tudo quanto é parte parecem buscar uma grandiloquência e invencionices formais e temáticas nem sempre pertinentes, a aparente simplicidade e liberdade naturais obtidas por Sang-soo Hong chegam a ser quase transgressoras.

O cinema de Hong bem como seus personagens é marcado pelo desejo desta liberdade e novas experiências sempre em volta do cotidiano mencionado mais acima, encontrando o cinema na vida, na encenação da vida, guiado por um ritmo dessas existências (a dos personagens), na atenção aos detalhes e à forma intensa e genial com a qual filma o ato de conversar, num registro marcadamente coloquial. Não se trata de um cinema "lento" ou "contemplativo”, mas centrado no fluxo de pensamentos e emoções dos personagens, papos sobre amores e flertes, ou mesmo ocasionais trivialidades como intervalo entre as preocupações maiores dos personagens. Hong consegue com estes fluxos − seja de diálogos ou constantes deslocamentos dos personagens − fazer com que facilmente identifiquemos situações bastante próximas à nossa experiência particular, incluindo aí os dilemas individuais os quais podem estar imersos, os golpes do acaso ou as inesperadas fatalidades do destino, mesmo estando tais filmes e personagens inseridos em distantes cidades ou praias da Coréia. O poder de identificação, veracidade ou atemporalidade não se altera por causa do contexto geográfico. O cinema os refletem de maneira única.

Comentários (2)

Patrick Corrêa | quarta-feira, 26 de Dezembro de 2012 - 21:06

O texto está ótimo e condizente com o filme, que também é muito bom.

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