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Críticas

Cineplayers

Filme de estreia de romancista impressiona em diversos aspectos.

8,0

“Pode ser um testemunho, ou mais exatamente um falso testemunho, pois me falta uma coisa essencial para falar da prisão: ter passado uma noite lá dentro.”
Philippe Claudel, em O Barulho das Chaves


Assim o premiado romancista Phillipe Claudel exprime seu sentimento em relação à prisão, em um trecho extraído de seu livro O Barulho das Chaves, ainda inédito no Brasil. Em várias notas onde reflete acerca da falta de liberdade e do significado do aprisionamento, ora metafórico, ora literal, Claudel desenvolveu seu livro e pode-se dizer que de tais escritos também surgiu o argumento para seu trabalho de estreia como diretor, Há Tanto Tempo Que te Amo.

O agora cineasta, responsável também pelo roteiro do filme, apresenta em sua história Juliette Fontaine em seus primeiros momentos em liberdade, após passar 15 anos em uma prisão. Juliette passa a viver com Léa, irmã que há muito tempo não via, e com a família desta, composta por seu esposo Luc, as duas filhas do casal e seu sogro, um senhor mudo.

Em seu debute cinematográfico, Philippe Claudel surpreende por demonstrar grande habilidade na forma de conduzir um drama, não cedendo aos recorrentes maneirismos do gênero. Não se pode duvidar de que o mesmo teve ótima assistência para comandar a produção, também no trabalho com os atores, que estão soberbos, mas o romancista deve ser elogiado por seu desempenho no cargo de diretor. Em algumas sequências em específico, a técnica de Claudel não poderia ser mais correta, como nos enquadramentos que caminham e aproximam algum personagem lentamente, dando ênfase ao que o mesmo diz. O diretor também utiliza corretamente artifícios já bastante empregados em outros filmes, como a trilha que corre ininterrupta conduzindo uma série de pequenas cenas, para indicar a passagem do tempo.

Todo o desenvolvimento do roteiro de Claudel é linear e gradativo. As verdades acerca de Juliette são reveladas aos poucos, juntamente com o fortalecimento dela como personagem. Tudo parece proposital na concepção do realizador, incluindo aqui seus vários acertos na forma com que amplia sua narrativa, transformando os participantes em seres tridimensionais e muito críveis. Os espaços destinados às divagações e análises dos dramas enfrentados por seus personagens também são extremamente válidos, nunca gratuitos. Quando Claudel insere no filme aquele que é claramente seu alter-ego, Michel, essas análises ficam ainda mais fortes, como em dado momento onde este revela à protagonista os difíceis anos que teve quando lecionava em uma prisão.

Juliette, por sua vez, é uma personagem extremamente profunda, obscura e amarga. Tudo o que se sabe sobre ela é dito por aqueles que a cercam, e a mesma em poucos momentos exprime seus sentimentos em relação ao que viveu ou o motivo de ter sido presa por tanto tempo. A introspecção e melancolia de Juliette são evidentes na interpretação magnífica de Kristin Scott Thomas, que em cada olhar distante e em seus silêncios diz o necessário para a compreensão de sua situação. Destituída de maquiagem ou qualquer glamour em sua caracterização, a atriz se entrega completamente à Juliette, e nem se percebe que a mesma interpreta utilizando aquela que não é sua língua de origem, o francês, devido à sua imensa naturalidade. O restante do elenco é igualmente competente, com destaque para a intérprete de Léa, Elsa Zylberstein, premiada com o César pelo papel, e para a pequena Lise Ségur, que com graça e veracidade vive uma das sobrinhas de Juliette.

Claudel, que revelou que procura não passar sequer na frente de uma prisão no supracitado O Barulho das Chaves, aborda o tema do aprisionamento emocional de forma realista e muito profunda, sem recorrer ao melodrama ou deixar que um sentimentalismo excessivo atrapalhe sua explanação sobre o assunto. O encarceramento, como transmite Juliette em determinado momento e Claudel reafirma em grande parte de seu belo filme, pode estar fora de uma prisão, mas dentro de nós mesmos.

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