Saltar para o conteúdo

Guará

(Guará, 2019)
?
Sua nota

Críticas

Cineplayers

À sombra do lobo

8,0

A partir do encontro entre um homem comum e um lobo-guará exposto em lugar público de Goiás, o filme examina uma forma possível de realizar cinema de gênero no Brasil. De maneira a princípio atmosférica e sensorial, Fabrício Cordeiro e Luciano Evangelista desenvolvem, a partir dessa cena inicial, um cinema de fantasia, literalmente. Unindo uma provocação pseudo-naturalista que radiografa a cena noturna de uma cidade com um crescendo de alegoria no limiar da farsa, o filme tem uma camada que sugere simplicidade narrativa que aos poucos vai dizendo a que veio. E se a já citada cena de abertura sugere um mergulho psicológico e talvez refinado, a partir da chegada da noite tudo reverbera. 

Criando atmosfera múltipla pra situações que o filme não tenta definir em rótulos cinematográficos, o painel construído por Fabrício e Luciano é muito mais amplo que o esperado. Existe uma real intenção de situar todo aquele grupo de situações dentro de um terreno da atualidade e do naturalismo, tais como as informações grafadas nas paredes do primeiro plano, indicando números ligados ao feminicidio, até a relação estabelecida entre os policiais vividos por Tothi Cardoso e Valeska Gonçalves, absolutamente crivel até as raias de uma absurda normalidade. 

No entanto, a montagem da dupla de diretores igualmente perturba nossas expectativas, ao desestabilizar as certezas sobre o tom da ação. Desde o plano inicial, passando por uma transformação que mistura farsa e sedução, até chegar na realidade noturna do centro daquela cidade, com o diálogo sem compromisso entre Tothi e Valeska, entrecortado pelo encontro de uma criança com aquela criatura única, o ritmo não apenas surpreende como demanda apropriações diferenciadas a respeito de suas intenções, que se estabelece aos poucos, até a catarse absoluta.

Essa catarse tem um ponto culminante, que é o plano-sequência de 7 minutos que acontece próximo do fim do filme. Com elementos que não cessam de tomar o plano pra si, detalhes saborosos acontecem em diferentes estágios e que, ao mesmo tempo tentam legitimar a experiência com um formato refinado de construção imagética, deixa claro o real propósito da experiência como um todo: divertir, ainda que profundamente comprometido com as ferramentas cinematográficas. Depois de assistir ao filme por quatro vezes, fica a impressão de ser sempre surpreendido por esse exemplar originalissimo de cinema.

Crítica da cobertura da 3ª Mostra SESC de Cinema de Paraty

Comentários (0)

Faça login para comentar.