Nicolas Pesce assinou para uma enésima versão de O Grito e, mesmo tendo tão pouco cacife, deixa claro em 10 minutos que tinha um plano, ainda que não necessariamente o que se esperaria de uma tentativa de ressurreição de franquia. Ao trazer um pretenso realismo da abordagem policial da narrativa e escolhendo tons cada vez mais estourados gradativamente para sua luz e enquadramentos, a proposta sai da seara exclusiva do cinema fantástico para observar os seres humanos por trás do surtos de praxe.
Apresentado dessa forma e com o retorno do produtor Sam Raimi no comando, Pesce foi fiel às raízes de onde foi trazido - o cinema indie de gênero cujo visual impressiona (vide Os Olhos da Minha Mãe e Piercing). O cineasta acaba por construir um universo esteticamente quase irretocável e de personalidade muito bem definida, uma seara autoral dentro de um modelo que se imagina rentável, criando uma atmosfera inusitada e diferenciada para um material de rápido consumo; esse rebuscamento acaba por causar uma estranheza ao público final, além de não justificar seus esforços.
Para que essa elaboração tenha respaldo, principalmente o roteiro escrito pelo próprio Pesce e por Jeff Buhler (que surpreendeu em Maligno e decepcionou em Cemitério Maldito) precisava ter acompanhado ao menos as tentativas da direção, e o que vemos em cena é uma narrativa cada vez mais confusa com 'vai e vem' temporal a cada curva, que se interpõem uns aos outros até simplesmente perderem o sentido. Existe um relevo dado aos personagens à primeira vista, mas gradativamente essas qualidades se perdem quando suas por personalidades não servem a nada, e eles vagueiam em cena.
Então esses enquadramentos especiais que Pesce concebe, e a luz que Zachary Geller pensou pra cada cena, se perdem na ausência de importância que o material final apresenta. Acaba por ser um material de apreciação rigorosamente estética, mas de cadência fria, que pouco se abre para o espectador ou para a proposta de gênero que ele mesmo não sublinha; apenas signos vazios, como o insidioso amarelo das lâmpadas da produção, que deforma os atores sem um motivo particular, mais parecendo um tique desnecessário do projeto.
Graças a uma profunda inteligência cênica, Andrea Riseborough defende as camadas de sua protagonista quase sem ajuda, apenas imersão e um registro corporal muito intenso. Compramos não apenas o seu mergulho, mas o de todo o elenco que está bem acima da média pro que Pesce apresenta em escrita. Demian Bichir, John Cho, Lin Shaye, William Sandler; todos têm muita compreensão da dimensão atmosférica e do jogo emocional desencadeado em cena, mas é um trabalho igualmente desperdiçado por não conseguir elevar o todo.
Um exemplar que tinha o potencial ainda superior ao primeiro remake da obra de Takashi Shimizu, O Grito seria aqui uma expansão daquela mitologia, mas já apresenta desde a abertura legendas explicativas desnecessárias e reducionistas. A edição desastrada, que prejudica não apenas a compreensão da trama como o ritmo do gênero, e tempos mortos que denotam o longa do seu propósito, afastam essa nova versão de um lugar muito promissor, desperdiçando alguns símbolos e criações criativas, como a integridade do policial vivido por Bichir, que segue em linha muito coerente com suas raízes, mas não se completa.
A frustração é o pior sentimento que um filme pode gerar, de desperdício de tempo e de ideias - Nicolas Pesce parece aqui não ter correspondido às expectativas que seus filmes anteriores suscitaram, mesmo com ferramentas qualificadas em mãos. Sem fios de conexão narrativos e emocionais a se conectar entre cenas, a impressão que temos é de ir a uma bela exposição de arte sem qualquer curadoria prévia ou propósito definido.
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