Greice foi dirigido por Leonardo Mouramateus, mas, em uma nota pessoal, foi produzido pelo amigo e ex-editor chefe do Cineplayers Andy Malafaia. Um projeto de quase uma década e só posso imaginar o trabalho de lançar, comercialmente (além dos tantos festivais pelos quais já passou), uma obra como esta. A quantidade de incertezas e dificuldades para fazer Cinema no Brasil e para ser enxergado é tremenda, um cenário onde só os fortes sobrevivem. E o mais positivo de toda essa trajetória é o seu produto final: um filme que fala sobre questões sociais tão corriqueiras no nosso país ao mesmo tempo em que funciona como puro entretenimento. Por isso talvez consiga ser notado comercialmente e até mesmo ser visto fora desse contexto particular do nosso país.
Greice é uma mulher, uma jovem mulher negra de classe média de Fortaleza que se aventura para levar uma nova vida em terras portuguesas – algo tão ordinário nos dias de hoje. A esperteza do roteiro (e isso é algo que também senti assistindo recentemente ao fantástico Monster, filme japonês de Hirokazu Koreeda) é que ele joga contradições e brinca com expectativas e o pré-julgamento do espectador. Greice é apresentada como metida, encrenqueira e mentirosa. Mas a vida não é tão simples, como sabemos, são as circunstâncias e os pontos de vista que trazem esse tipo de impressão, e muitas vezes estamos simplesmente errados ao fazer julgamentos precipitados.
Bom, não vou contar todo o filme, mas por consequência dos rolos que a protagonista leva para a vida e a vida leva para ela, Greice deve voltar, pelo menos por um tempo, para o Brasil, para Fortaleza, para tratar de algumas documentações, se quiser permanecer mais tempo em Portugal, estudando na faculdade de artes. E aí vamos conhecendo quem Greice realmente é, e também o filme vai desferindo a sua parcela de crítica social (às vezes, gratuitamente, é importante citar) enquanto vamos acompanhando o desenrolo dos rolos em que Greice se meteu. A obra apresenta coadjuvantes sempre divertidos e cujas aparições funcionam geralmente muito bem – por exemplo, toda a equipe do hotel em que Greice se hospeda.
Tudo isso só funciona pela mão leve do diretor, que não força a barra (a não ser esporadicamente, como já dei a entender antes) e leva o roteiro com cenas que funcionam bem dentro das expectativas e, aqui e acolá, até mesmo surpreendem positivamente. Apenas para ficar em um exemplo, a cena da batalha de dança, que aprofunda o coadjuvante mais imporante do filme (o funcionário do hotel que passa a gostar da garota, porque sim) e é certeiramente divertida, sendo bem mais do que simples preenchimento de tempo, como geralmente cenas fora do fio principal do roteiro acabam sendo. E, é claro, vale citar, em uma época de tanta divisão política, que Greice é uma obra que se joga claramente para a esquerda (contando com os seus clichês, também), mas que funciona bem sem esse olhar (e por isso acaba sendo leve e universal).
Enfim, Greice é uma obra de paixão pelo Cinema que deu certo. Nem toda obra existe para ganhar centenas de prêmios (embora possa ser o caso aqui) ou trazer respostas às questões mais pesadas da sociedade. A obra tem boa parte do elenco com origem portuguesa que sequer citei, mas que se encaixa perfeitamente bem com todo o resto, é uma delícia acompanhar as cenas em Lisboa. Sendo assim, só posso agraciar Greice e recomendar para o grande público (não é nem filme de nicho, é filme para o grande público mesmo). E torcer para que a obra tenha sucesso, a carreira de todos sobreviva e que estes todos tenham a proeza de lançar mais obras leves e estruturalmente quase perfeitas como esta.
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