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Críticas

Cineplayers

Primeiro filme independente de Tim Burton mostra um pouco mais do diretor a seus fãs.

7,0

Ver Tim Burton dirigindo um filme de orçamento modesto, com jeitão alternativo, independente, é tão interessante quanto acompanhar suas obras para os grandes estúdios. Certamente não há os grandiosos cenários nem a direção de arte esplendorosa, mas Grandes Olhos desvenda um pouco mais desse recluso diretor de uma maneira que suas obras de maior envergadura não permitiam.

Trata-se de um antigo roteiro de Scott Alexander e Larry Karaszewski, a dupla responsável pelo script de Ed Wood (1994), talvez o melhor filme de Tim Burton, financiado pela Weinstein Company, a nova produtora dos irmãos Bob e Harvey Weinstein. Segundo consta, o orçamento foi de apenas 10 milhões de dólares (impossível, deve ser mito). Diretor e roteiristas receberam os valores da tabela do sindicato e terão participação nos lucros, se o filme der lucro. Equipe técnica e atores baixaram bastante o seus cachês para estar no filme – todos, evidentemente, amigos de longa data de Tim Burton. Filmaram em Vancouver, Canadá, para reduzir custos.

Trata-se do mesmíssimo universo de Burton, só que em escala menor. Estamos, portanto, falando de gente fora dos padrões. A pintora Margaret Keane retratada no filme não é nenhuma grande artista, apesar de ela e o marido terem sido imensamente ricos e bem sucedidos. Apesar dos elogios (um tanto dúbios) de Andy Warhol, sua obra nunca será aceita pela elite de Nova York. Tímida, insegura, sem jeito para os negócios, Margaret termina por deixar seu marido levar a fama pelos quadros: ela queria, entre outras coisas, a segurança de um casamento (o filme é passado nos anos 60) para poder criar a filha depois de um divórcio. Burton filmará a vida de Keane com o mesmo olhar caloroso com que focalizou outros artistas menores como Edward D. Wood Jr., Bela Lugosi, Vincent Price.

O diretor também não julga quem comprava a arte dos Keane: também californiano e também mais ligado à cultura pop do que aos clássicos europeus, comprou seu primeiro Keane quando era um adolescente suburbano de Burkank (periferia da região metropolitana de Los Angeles). Já naquela época tinha consciência de aquele tipo de arte era considerada kitsch, até ser descoberta pelos ícones da Pop Art, mas nunca aceita como “séria”. Sentia a mesma repulsa/atração pelos quadros.

Na tela, Amy Adams faz a pintora com toda delicadeza, com poucas palavras, cheia de dúvidas e hesitações. É um difícil papel “morno” que a atriz desenvolve muito bem. O mais interessante aqui: Margaret/Amy é Tim Burton. A riqueza de detalhes com que diretor mostra essa curiosa artista, explorando ao máximo sua sensível atriz, não é por acaso, portanto: é o diretor falando de si mesmo, como fazem os artistas, através de sua arte. No caso, foi melhor mesmo uma mulher/atriz: mais generosas, sem medo de demonstrar sentimentos, ficou mais fácil para o cineasta/diretor expor suas fragilidades por meio dela. Assim, quando vai ao supermercado, Margaret/Amy fica encabulada de ver sua própria arte sendo vendida nas prateleiras. Começa a ver todo mundo com seus Grandes Olhos. Até ela eventualmente se verá no espelho com os mesmo tristes, melancólicos e solitários olhos que representava nas pinturas.

Numa das cenas, uma briga conjugal, Tim Burton não encena a agressão física: prefere criar uma metáfora, com o marido riscando fósforos e jogando em direção à esposa. No universo de Burton, o marido não precisa bater na mulher para ser abusivo. O lado filme B fica a cargo de Terence Stamp, atuando como um vilão de filme trash como o implacável crítico de arte sênior do jornal The New York Times, John Canaday, em grande momento do filme.

Mas, infelizmente, Tim Burton também tem seus defeitos como cineasta e eles não tardam a aparecer. Seu humor um tanto anárquico fragmenta a narrativa, até então coesa e precisa, em cenas um tanto bobas e sem dúvida gratuitas, de forma que Christoph Waltz (em equivocada veia cômica) acaba ocupando espaço demais sem ser tão interessante como a personagem de Margaret. Mesmo a reconstituição de época e a fotografia começam a se impor em detrenimento da trama. Burton não discute a apelação que o marido usou para vendê-las, justificá-las e legitimá-las (fuga do nazismo). A reviravolta da história, quando Margaret resolve processar o marido e dar um fim nas mentiras, ocorre quando a pintora se torna Testemunha de Jeová numa cena no mínimo desleixada e sem dúvida incompleta. Burton diminui seu filme quando se esconde.

Dentre outras críticas a Burton, há algumas como ele não saber lidar com a sexualidade – sua primeira cena só foi acontecer bem tarde na sua carreira em Sombras da Noite (Dark Shadows, 2012) e mesmo assim em tom farsesco. A obra de Burton seria, portanto, casta e puritana. Mesmo a violência em seus filmes, estética, é atenuada a ponto de reduzir Batman (1989) a um desenho animado para crianças. Alguns acusam-no de imaturidade, de forma que seus filmes funcionam melhor no universo da fantasia, mas nunca dão certo no mundo real. Tudo isso tem um fundo de verdade e com certeza vê-se essas limitações ressaltadas nesse filme digamos essencialmente aduto. Grandes Olhos é revelador também das inconsistências da arte de Tim Burton.

Comentários (11)

Gian Couto | quarta-feira, 31 de Dezembro de 2014 - 23:44

Não consigo mais me animar com Burton.

Lucas Souza | quinta-feira, 01 de Janeiro de 2015 - 12:53

Nó Augusto, nem vi! Rsrsrsrs... Valeu aí pela informação!

Abdias Terceiro | sexta-feira, 02 de Janeiro de 2015 - 05:24

Já comigo foi um tanto diferente.
A despeito das Limitações do diretor, que particularmente me irritam bastante
A dupla principal me fez criar essas expectativas. A crítica muito bem escrita não poupou
Tim revelando que tais limitações estão evidentes também nessa película,no entanto está visto que não deixarei de conferir Adams e Waltz juntos mesmo se tivesse lido a mais severa das Críticas.

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