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Grande Dama do Cinema, A

(El cuento de las comadrejas, 2019)
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Críticas

Cineplayers

A nostalgia cínica de Campanella

8,0

Desde que venceu o Oscar de Melhor Filme Estrangeiro por O Segredo dos Seus Olhos (2009), Juan José Campanella andou algo ofuscado do cenário do cinema mundial. Criou em 2011 a série El Hombre de Tu Vida, com uma refilmagem brasileira pela HBO em 2017 e, em 2013, arriscou seu primeiro longa-metragem de animação, Um Time Show de Bola que, custando 21 milhões, foi o filme argentino mais caro da história, mas com uma recepção que não foi das melhores. Após isso, voltou à TV americana, onde já havia dirigido vários episódios de Law & Order: SVU e House, trabalhando dessa vez em episódios de Colony e Halt & Catch Fire. Então, por vários fatores, podemos considerar que A Grande Dama do Cinema seja o retorno definitivo ao cinema do diretor não visto desde o fim da década passada.

O filme é uma comédia de humor negro refilmada do original Los muchachos de antes no usaban arsénico, dirigida por José Martínez Suárez e tendo estreado na semana do golpe de estado de 1976 que instaurou a ditadura argentina. Campanella considera o filme “genial” e que o momento político ofuscar a obra uma “má sorte”, parecendo perceber desde a sua gênese seu A Grande Dama do Cinema como histórias não de redenção, mas de retribuições históricas.

Na nova obra, conhecemos Mara Ordaz, a única vencedora do Oscar de melhor atriz em um filme estrangeiro ao lado de Sophia Loren, que vive em uma imensa mansão com seu marido, o paralítico ex-ator Pedro de Córdova e seus dois ex-cunhados, o cineasta aposentado Norberto Imbert e o ex-roteirista Martín Saravia. O cotidiano dos quatro é perturbado quando chegam ao local Francisco e Bárbara, dois agentes imobiliários que clamam serem fãs da atriz e que oferecem seus serviços.

Com uma estrutura de jogo de máscaras que inclusive remete e parece ter uma inspiração clara do clássico texto teatral Arsenic and Old Lace, transformada em filme por Frank Capra em Esse Mundo é um Hospício, Campanella não demora a desfiar seu talento “popularesco” ao encenar a obra, que se é uma comédia de humor negro onde idosos com segredos sombrios tentam salvar da ludibriação sua antiga amiga das garras da inescrupulosa nova geração (temática social também vista recentemente no brasileiro Aquarius), também é um melodrama com momentos focados no tratamento de personagens que reviram o passado e expõem suas inseguranças, falhas e marcas, mas também sua força frente à unidimensionalidade pragmática e maquiavélica da nova geração, que, como é de se imaginar, armaram um esquema contra a ex-estrela.

A qualidade de encenar um texto com personagens multifacetados, que destacou sua carreira em O Filho da Noiva e Clube da Lua está presente novamente aqui: o ritmo dos diálogos são escritos e encenados de maneira muito realista, com interrupções, pausas, diálogos simultâneos, sugestões e reações dificilmente vistas em obras mais classicistas, o que inclusive cai como uma luva em uma obra que se pretende inclusive revisionista do cinema clássico, em um toque à lá Crepúsculo dos Deuses de como a ficção é maravilhosa para se opôr à uma realidade triste e cruel. A câmera também trabalha como um destaque aqui, com a montagem muitas vezes deixando as falas em segundo plano para focar na reação de personagens e a grandeza esmagadora da história que os circunda e os sufoca.

O cinema é um tema constante, destacado pelo título brasileiro (ao contrário do original El cuento de las comadrejas, ou O conto das doninhas, referente o hábito de Norberto em fuzilar qualquer doninha que invada a propriedade). Mara é atraída por uma armadilha devido ao desejo de recuperar seu antigo status; suas maiores conquistas vieram por causa dos filmes, assim como também as maiores tragédias de sua vida e de seus companheiros de casa. E, espertamente, Norberto e Martín fazem referências constantes à condução de um filme - vilões interrompendo o cotidiano bucólico, femmes fatales, clímaxes felizes, o fade to black como a forma de encerrar um assunto - demonstrando uma autoconsciência do roteiro e da direção que só engrandecem a obra como uma pequena joia que desconstrói a nostalgia.

A Grande Dama do Cinema tem a força de uma peça teatral, e a economia de locações e a força dos diálogos garantem nisso sua principal força, porém, também contendo em si os tais “golpes de cena” - revelações espetaculares (também adotadas pela televisão) que são habitualmente estapafúrdias e sentimentais no momento de sua revelação. O bom é que Campanella sabe jogar com isso a seu favor, transformando isso posteriormente em mais um elemento de humor e suspense que confirmam o status do cineasta como um dos autores populares de maior destaque da nova geração argentina.

Com o humor de seus primeiros filmes mas brincando com temas pesados que tratou com seriedade no filme que lhe rendeu o Oscar, Campanella mostra ainda estar afiado, o que mostra a falta que faz uma ocorrência mais frequente de seus projetos cinematográficos. Para lembrar, rir de doer, se comover e apertar o braço da cadeira em pouco mais de duas horas.

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