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Críticas

Cineplayers

Provável vencedor do Oscar de filme estrangeiro e melhor filme europeu do ano é um sucesso comercial inusitado menosprezado por parte da parte da “crítica”.

7,5

Incrível como um filme tão longo (2h42’ na versão integral), por vezes difícil, repleto de referências a alta cultura e sem dúvida pessimista tenha conseguido ser também um sucesso comercial. A Grande Beleza (La Grande Bellezza, 2013), de Paolo Sorrentino, tem seus atrativos imediatos: a exuberante fotografia, a Roma vista de um ponto turístico, a mundanidade, a estrutura descaradamente roubada de Federico Fellini, em especial A Doce Vida (La Dolce Vita, 1960), mas o filme é muito mais do que estereótipos à la italiana e imagens de cartão-postal: é uma sensível e felizmente nada cínica discussão sobre a diferença da percepção das artes no mundo de hoje, onde A Grande Beleza parece não ter mais lugar.

Uma das discussões resume o filme: numa dura conversa entre uma militante feminista e “comunista” com a personagem principal, um dublê de jornalista cultural e escritor de um livro só, Jep Gambardella, os amigos chegam à conclusão de que a cultura passou de um estágio comunitário, como era nos anos 60, quando os grandes temas eram discutidos pela sociedade como um todo (aborto, direitos civis, emancipação da mulher, dos negros), para um momento, o atual, em que a arte é individual, voltada ao prazer pessoal, idílica e desinteressada. Hoje, as pessoas não se interessam mais pela Grande Beleza, porque ela não lhe diz mais nada, assim como também desapareceu a força criativa que deu origem a ela: para se entender a cultura hoje, novos padrões devem ser estabelecidos, portanto.

No grande momento do filme, Jep diz que o melhor de Roma são os turistas: eles olham para ela em busca da Grande Beleza; eles conseguem ver a arte produzida ali, imortal, referência mundial, que está no imaginário de todos, como se deve, com um olhar universal. Os demais, sejam moradores ou visitantes recorrentes, vêem Roma apenas como um lugar para grandes festas. Daí o filme todo ele ser uma visão de caderno de viagens da Cidade Eterna: não é gratuita a aproximação do cineasta com a cidade pelo viés “exterior”, ele quer refazê-la como um lugar de exceção, mítico, um grande sítio histórico de convergência dos povos e da cultura ocidental. Não se trata de cultura italiana, é universal. É externo esse olhar, mas pelos olhos internos do protagonista que, no entanto, não é nostálgico nem decadentista: ele reclama das mudanças, sofre com elas, mas as compreende. Mesmo que o sentimento de perda não o abandone nunca, ele aceita sua condição.

Interessante a fria recepção do filme quando ele foi lançado no Festival de Cannes: os franceses e uma grande parte da caviar left, que parecem ainda acreditar na Grande Beleza e que pregam a resistência cultural contra a globalização que tudo destrói, não gostaram do filme (os editores do Cineplayers, em sua maioria, também detestaram, confiram as notas e lupinhas). O prêmio do festival foi para Azul É a Cor mais Quente (La Vie d’Adèle – Chapitre 1 et 2, 2013), Abdellatif Kechiche, um filme às antigas, intimista, com protestos e diversas citações literárias, sobre a derradeira bandeira social, o casamento dos homossexuais, que tanta resistência encontrou na França antes de sua aprovação e ainda banido de vários países. Belo, eficaz e pertinente. Mas La Grande Bellezza aos poucos terminou por se impor, vencendo o prêmio de melhor filme europeu do ano e, fora da Europa, praticamente monopolizando os prêmios internacionais. Os dois filmes não poderiam ser mais complementares: nem é coincidência que tenham sido produzidos no mesmo ano, é sintoma dos tempos.

La Grande Bellezza não é um filme perfeito. O caminho que Jep percorre por Roma à noite é penoso para quem vê. Sorentino extendeu as cenas interminavelmente, o filme poderia ter uns 40 minutos a menos sem perder quase nada, além dos inúmeros finais: parece que o diretor não sabia como terminar a obra e foi filmando vários encerramentos. Num deles, uma cena curiosa, entre as várias que o filme tem: antes os amigos nadavam em alto mar (agora é perigoso, por conta das lanchas dos novo-ricos), agora a ex-marxista nada na piscina de sua casa. Seu marido, nem isso: usa uma banheira privada com uma correnteza artificial. Mar, depois piscinas e por fim banheiras privativas, imagens que simbolizam a ideia do filme da progressiva saída do comunitário para o privado. Mas Sorrentino não termina o filme aqui, e as imagens terminam por ficar dispersas e sem força.

No mais, na excessiva duração do filme, há um série de gratuidades mais ou menos engraçadas e outras intragáveis, admitamos. Além de insistentemente citar Fellini (a ponto de incomodar), o navio que encalhou na Itália, o Costa Concórdia, por exemplo, foi inserido no filme, metáfora óbvia demais da situação do país. Sem contar a referência, também um tanto exagerada, a Marina Abramovic no início do filme: pêlos pubianos pintados de vermelho, com a foice e o martelo comunistas tatuados, a artista corre até um muro e dá uma tremenda cabeçada a ponto de sair sangue. Jep Gambardella nada entende e escreve um artigo crítico, ainda por cima referindo-se ao fato de sua editora ser uma anã (em mais uma referência insuportável a Fellini). É, a go-gauche não ia gostar mesmo.

O final mesmo, com os letreiros, duram inacreditáveis 10 minutos e é um passeio de barco pelos canais da cidade com a câmera focalizando as belezas de Roma. Apelativo? Sem dúvida. Afinal, o filme começa com uma citação de Louis-Ferdinand Céline, em Viagem ao Fim da Noite: “Viajar é muito útil, faz trabalhar a imaginação. O resto não passa de decepções e fadigas. [Não citada no filme:] A nossa viagem é inteiramente imaginária. Daí a sua força.”. Eis o espírito do filme: se essa mistura de velharia e turismo lhe dá enjôos, La Grande Bellezza não é a escolha.

Comentários (13)

Demetrius Caesar | quarta-feira, 29 de Janeiro de 2014 - 01:44

Corrigida a informação do Oscar. Obrigado Ricardo Pêdo e Thales Azevedo por me alertar do erro. 😳

Aproveitando a deixa, um texto sobre Azul é a cor mais Quente deve entrar ainda essa semana. 😉

Matheus Duarte | quarta-feira, 29 de Janeiro de 2014 - 06:44

Pô Demetrius, já diminuiu a nota? rsrs

Caio Henrique | quarta-feira, 26 de Fevereiro de 2014 - 09:12

Não sei porque tem tanta gente metendo o pau nesse filme só por se dizer um \"Felline wannabe\".O filme diverte.É bonito.Tem diálogos interessantes.Quem se importa se ele \"copia\" Fellini.Fazer apologia a Fellini nos dias de hoje é até um ponto positivo.

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