Logo na primeira cena, o gigantesco monstro adorado há tantas décadas já dá as caras em toda sua majestade. Ainda que em sanha destruidora, o público não quer demorar pra ver Godzilla e o diretor Michael Dougherthy entende o apelo do que pretende fazer aos fãs, não os deixa respirar e expõe claramente quão explícito e direto será o seu filme. Continuação direta do longa de 2014 de Gareth Edwards, o projeto hollywoodiano é unir Godzilla ao King Kong e as pistas não param de ser lançadas, e a data dessa união está marcada para março próximo. Portanto, esse novo longa também é base para um plano de união muito esperado pelo nicho que se formou em torno desse conceito: a Terra acordou monstros ancestrais de tamanho descomunal graças a forma como os humanos a trata, e agora esses seres pretendem reestabelecer o equilíbrio da natureza, nem que pra isso grande parte dos responsáveis seja descartado.
Trocando em miúdos, o roteiro sugere (ainda que superficialmente) uma discussão sobre responsabilidade ecológica, usando o entitulado 'rei dos monstros' e seus amigos como uma espécie de metáfora para o revide da natureza em relação aos maus tratos impingidos a ela durante os tempos. Na camada externa, Godzilla não está sozinho tentando mostrar sua serventia dessa vez, mas sendo necessário na hora de enfrentar um grupo de criaturas pré-históricas (???) cujo interesse é voltar a vida. Ecoterrorismo a parte, os signos representados pela luta entre os seres descomunais é um acerto de composição narrativa, permitindo uma reflexão leve em meio ao entretenimento apresentado. Talvez o único problema do filme seja mais uma vez não acreditar nessa simplicidade de construção para mais uma vez apostar na combinação 'escapismo + drama', quando o interesse quase absoluto à esse produto é no poder de destruição causado pelas batalhas entre gigantes e as mesmas propriamente ditas.
No papel, temos mais uma vez 'o drama de uma família separada pela tragédia que irá se recompor na adversidade extrema'. Ainda que o drama seja de fato mais eficiente que no primeiro episódio e que o elenco enlace nossa empatia para seus dramas (com um núcleo formado por Vera Farmiga, Kyle Chandler e Millie Bobby Brown fica relativamente fácil se importar com esses humanos), a breve importância que dedicamos a eles se esvai a cada aparição dos reais protagonistas, motivo maior de todo ingresso vendido para o filme. Não se trata de uma traição à apresentação inicial, já que a família também está na cena 1 do filme, mas a proposta do futuro trazer filmes mais independentes para as criaturas que geram interesse. Um elenco suntuoso é convocado para dar vida a personagens que não fazem diferença - Sally Hawkins, Ken Watanabe, Zhang Ziyi, Bradley Whitford, David Strathairn, além do trio central, e muitos estão desperdiçados, o que deixa ainda mais evidente seu caráter dispensável.
Se Edwards anteriormente trouxe poesia as imagens captadas, Dougherthy tinha a ação e o encontros como trunfo. Tendo em mãos uma fauna atraente pra mostrar em atividade, os planos do diretor não são feios, maa concretos, dotados de plena consciência da sua utilidade. Ainda que a primeira meia hora tenha um pé na burocracia em relação ao que iremos ver (conflitos políticos, lágrimas paternas, reuniões entre agentes de campo na busca por pistas), a direção nunca escamoteia suas reais intenções, e quando finalmente temos um gatilho virado em relação aos eventos práticos, a produção toma a agilidade como um pilar e constrói suas bases com essa responsabilidade, a de entregar aos fãs exatamente o que ele quer ver. Filmando com relativa clareza os embates esperados, o novato capta o anseio do público e realiza todas as suas vontades sem paterniza-lo, vide manter os seres humanos na espinha dorsal, seguindo um padrão clichê do gênero.
Ainda que suas experiências anteriores se resumam ao longa de episódios Contos do Dia das Bruxas e a Krampus (ambos filmes de terror passados em datas festivas), não falta talento visual a Michael Dougherthy, que foi sucinto em Godzilla II por estratégia de acertada leitura. Se suas decisões o tiraram de uma linha imagética particular, não o impediram de criar cenas de impacto, como cada primeira aparição de novo monstro, todas com sua devida ênfase, o plano que estampa o cartaz do filme onde Godzilla solta seu raio em posição vertical no céu, e a cena final, uma apoteose de tudo que foi criado até então, uma imagem forte e ao mesmo tempo instigante para o próximo capítulo, que deixa em definitivo quem é o dono do carisma e quem precisa ter independência algum dia. Vida longa ao rei.
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