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Críticas

Cineplayers

A covardia escancarada de Tom Hooper.

2,0
Recentemente, escrevi aqui no Cineplayers sobre o balado em festivais independentes Tangerine, que relatava um período de, ao menos, 24 horas da vida de duas transexuais negras e prostitutas em meio a uma ensolarada Los Angeles, e que fora filmado com pouquíssimos recursos (apenas três iPhones 5), ganhou seu público ao denunciar a marginalização com que nossa sociedade, ainda presa aos costumes tradicionais, enxerga tais figuras como meros estereótipos a serem banalizados. O motivo de estar lembrando desse filme em especial e ressaltando sua temática é para traçar um certo paralelo com A Garota Dinamarquesa, que supostamente (e ressaltem aqui o supostamente) conta a história de Einar Wegener, o primeiro homem a se submeter a cirurgia de redesignação de sexo, vindo a se tornar Lili Elbe. O material, por si só, já possui peso suficiente por sua abordagem ainda encontrar grande força atualmente, onde as transexuais seguem lutando insistentemente contra o preconceito e a visão deturpada de nossa sociedade sobre os que sentem desconfortáveis em seu corpo de nascimento.

Pedi para que ressaltassem o “supostamente” acima pois Tom Hooper, já vencedor de um Oscar pelo almofadinha O Discurso do Rei (antes disso, o projeto estava nas mãos de Anand Tucker e seria estrelado por Nicole Kidman e Charlize Teron), e conhecido por ser um diretor de mão cheia para agradar as premiações, denuncia sua total covardia ao transformar um filme num estudo sobre... nada. A Garota Dinamarquesa causou rebuliço quando seu primeiro trailer revelou um Eddie Redmayne extremamente feminilizado e assustadoramente parecido com uma mulher, e durante todo este tempo o filme foi vendido quase como uma espécie de porta-voz sobre a causa transexual por retratar a origem desse movimento, se assim pode ser dito. E realmente espanta... Ou melhor, realmente ofende o quanto o diretor soa desinteressado em se aprofundar no tema em questão, pesado por si só, preferindo trazer seu foco para a esposa de Einar/Lili, Gerda (Alicia Vikander, de Ex-Machina) e seu processo de aceitação pelos reais desejos do marido.

Obviamente que boa parte da culpa recai sobre o roteiro de Lucinda Coxon, que parece não compreender absolutamente nada do peso no material que possui em mãos. E esse mesmo desconhecimento ou desvalorização é ressaltado pelo diretor, que num trabalho inconsequente e desleixado, dá preferência para a exibição da direção de arte e os figurinos trajados em cena, utilizando muitos planos abertos para exibir a luxuosidade do cenário (e continua sendo inexplicável sua insistência em deixar os atores no canto escondido da tela), e ignorando a complexidade de tudo o que está acontecendo em cena: Einar abraçando o vestido, Lili beijando um homem pela primeira vez e, principalmente, a percepção gradativa de Gerda sobre o que está acontecendo com seu marido. Hooper passa por cima disso ao estabelecer uma narrativa que não nos deixa sentir ou compreender nada, onde tudo acontece aos olhos do público na velocidade da luz. Não compreendemos coisa alguma sobre Einar/Lili ou Gerda, o que resume a obra numa experiência emocionalmente fria e distante.

De fato, Hooper prefere trazer um clima falso de sofisticação para A Garota Dinamarquesa, apoiando-se em cenas supostamente delicadas e suaves (ressaltadas pela presente trilha de Alexandre Desplat), mas que se analisadas em seus propostos significados, soam deveras duvidosas. Essa opção em transformar uma história tão intimista e de importância social tão persistente numa espécie de vidro de perfumaria, apenas para agradar aos olhos e aos sentidos, é o real fator para que o filme soe tão ofensivo aos que, de fato, possuem consciência do peso da história de Lili. Algo que Hooper parece não possuir.

Eddie Redmayne, que chamou certa atenção na recente adaptação épica do musical da Broadway Os Miseráveis (também de Hooper, vejam só) e ganhou os holofotes após vencer seu primeiro Oscar pelo quadradinho A Teoria de Tudo, causa um desconfortável estranhamento desta vez na pele de Einar/Lili. Se no papel que lhe rendeu a estatueta dourada o ator demonstrou um belo trabalho de linguagem corporal, aqui o mesmo soa o tempo todo desconfortável e sem muita postura em cena, compondo Reinar como um homem de muitas caretas (o que é aquele sorrisinho tímido de baixo pra cima?) e resumindo Lili numa mulher de puros trejeitos estereotipados e transformando-a numa caricatura, deixando claro que trata-se de um trabalho de caracterização, e não composição. Em seu contraponto, Alicia Vikander rouba a cena ao compor Gerda com uma sensibilidade que, em ao menos dois momentos, consegue tocar o público, um esforço que é continuamente sabotado pela insistência do roteiro em transformá-la numa mulher emocionalmente desequilibrada e que ora parece aceitar as mudanças no marido, ora se entrega à histeria por não saber lidar com aquela situação. É incompreensível.

Alterando a história real de Lili para um desfecho negativista e não menos nojento, A Garota Dinamarquesa acabou não fazendo jus ao falatório que despertou de início, ganhando uma recepção fria do público e comentários pouco empolgados com o resultado. Ao menos é um bom sinal, pois pode significar que o público esteja finalmente abrindo os olhos para a caretice que é o cinema de Tom Hooper e em como uma boa história em suas mãos pode terminar completamente sabotada.

Comentários (21)

Vinícius Cavalheiro | quarta-feira, 24 de Fevereiro de 2016 - 20:13

Sobre a relevância social, eu acho positivo simplesmente o fato do filme existir. Sendo ruim ou não. Porque por mais que seja ruim, se uma pessoa for impactada já é muita coisa. Obviamente que filme nenhum tem obrigação de ser relevante socialmente ou de dar voz para grupos socialmente oprimidos, mas se o faz, que bom.

Declieux Crispim | quinta-feira, 25 de Fevereiro de 2016 - 10:38

Dos piores filmes que vi na vida.

Daniel Raskólnikov | quarta-feira, 02 de Março de 2016 - 20:54

Afff, parece que só tem esquerdopata nesse site. A começar pelo autor da resenha; parece um militante do PSOL

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