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Críticas

Cineplayers

Retrato do terror militar na Argentina na década de 1970 é contundente e cruel.

7,0

Sempre é interessante ter duas ou mais opiniões distintas sobre qualquer assunto; isso torna o conhecimento mais amplo e aumenta os questionamentos do receptor em relação ao tema abordado. O Brasil, com a Retomada de seu cinema a partir da metade de década de 1990, vem apresentando vários filmes sobre a época negra da ditadura militar (toda ela?), quase exaurindo o público com a recorrência desse tema em nosso cinema. Por isso o argentino Garage Olimpo é interessante, especialmente para o público brasileiro. Como nossos companheiros de América do Sul percebem o movimento semelhante que lá ocorreu na década de 1970? A visão do diretor Marco Bechis, pelo menos, é aterradora.

O próprio Bechis, chileno, foi vítima da ditadura, forçado a deixar a Argentina em 1977, e esta é sua principal inspiração aqui. Garage Olimpo foi um lugar onde os presos políticos era torturados. Ironicamente, o local ficava em uma área central de Buenos Aires, a poucos metros da liberdade. Entre as várias histórias de terror que lá certamente aconteceram, nos é apresentada a de Maria. Aparentemente uma moça de bem, que trabalha com alfabetização de adultos carentes na zona pobre da cidade, Maria também é um dos peões da resistência democrática contra a ditadura, e eventualmente ela é capturada. Descobre que seu namorado trabalha para o governo obtendo informações dos presos, e o destino prega uma peça em ambos quando ele, que não sabia do envolvimento político da moça contra o regime ativo no país, torna-se o responsável pelo ato de tortura dela em seu primeiro dia em Garage Olimpo.

Comparativos com os filmes sobre a ditadura no Brasil ocorrem naturalmente, mas o cinema argentino parecia estar à frente nesse assunto no final do século passado, quando a Retomada apenas começava a tomar formas mais visíveis (e relevantes como conteúdo). Garage Olimpo é um filme absolutamente maduro, a direção de Bechis mostra-se sempre muito competente, com alguns momentos inspirados (a fuga de Maria). Há aquela sensação conhecida dos filmes de mesmo tema aqui no Brasil, uma quase necessidade de criar planos artísticos, fora do convencional, para tentar dar ao filme identidade própria, o que neste caso é definitivamente bem-vindo, afinal precisamos (e isso vale para o cinema argentino também) de identidade, experiências. Note que é apenas uma sensação, o filme não é inovador, e nem haveria por que ser, sua mensagem certamente é mais relevante que a técnica utilizada. Mas ainda assim destaque para a ambientação: Garage Olimpo é um lugar que exala terror, morte, desesperança. Algo como vimos em O Albergue. Só que na vida real.

A grande força do filme, desconsiderando sua direção e técnica, está nos elementos narrativos. O filme exige atenção do espectador, não traz linearidade; os sentimentos dos personagens não são explicados minuciosamente ao público, o que é interessante pois torna quem assiste objeto de participação da obra, obrigando-o a atuar ativamente no preenchimento das lacunas (o que, claro, afasta parte do público). O final é deveras chocante, definitivamente cruel, que excede os limites da tortura, coroando ações fétidas de um período negro da História da América do Sul.

Saber que é baseado em fatos reais (pesquisando um pouco descobre-se isso) é quase sufocante. Ademais, há a forte personagem principal, a italiana Antonella Costa (que anos mais tarde trabalhou com Walter Salles em Diários de Motocicleta), que entregou uma atuação crível, ajudada pelo roteiro cuidadoso, que faz com que o seu relacionamento com o policial torturador seja verdadeiro e natural, apesar da coincidência improvável do torturador ser tão próximo à torturada. A tensão sexual com sua personagem existe o tempo todo – ela é obviamente estuprada, embora isso jamais seja mostrado.

A mensagem final é bastante contundente. Há uma certa noção de desperdício humano, os militares não parecem saber exatamente o que fazer e criam vítimas de forma gratuita. Eles querem informação, mas aparentam não saber como obtê-la e nem o que fazer com os presos, que não podem ser recolocados na sociedade. Esse é o grande mérito da obra de Bechis, que consegue passar ao espectador essa noção de desesperança de forma bastante satisfatória. Seu trabalho não é excepcional, mas certamente é sólido o suficiente para colocar seu filme no escalão de cima dos filmes sobre a ditadura militar na América do Sul. Bechis não tem uma carreira muito ativa, pois fazer esse tipo de cinema certamente não torna seus realizadores milionários, mas dá a quem assiste seu trabalho a necessidade de reconhecimento do autor pelo espectador, nem que seja de forma tímida pela crítica.

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