O “épico” do título, no caso, não corresponde ao popular emprego do adjetivo frequentemente utilizado para qualificar uma cena ou obra que tenha transcendido as expectativas. Gangues de Tóquio é, de fato, uma obra pertencente ao gênero épico. Pouco polido, nada motivador, mas profundamente mitológico.
O filme de Sion Sono é uma história em macroescala, com inúmeros personagens, núcleos, gangues, alianças, traições e reviravoltas, tudo contando com a devida apresentação, exposição e definição das forças e de seus caráteres, numa história de intenção totalizante que dá conta do processo unificador de várias gangues díspares em visual e métodos. As tribos temáticas, muito popularizadas pelo cinema distópico dos anos 80, encontra eco em um épico estilizado em musical de rap – um encontro de The Warriors – Os Selvagens da Noite e Amor, Sublime Amor pós-Tupac Shakur e Biggie Smalls.
Siohn usa a música rap à exaustão – seu filme é muito mais falado do que cantado, em letras que evocam violência urbana, catástrofes naturais e trocam ofensas entre rivais; as grandes batalhas transformam-se também em rinhas de mestre de cerimônia, os cabeças de cada clã, acompanhados de seus brraços direitos, que fazem coro. Apresentado em um caldeirão de ritmos – do rap mais acessível ao mais pancadão passando pelo grooveado e o “reggaeiro”, com letreiros em neon, comunidades carentes onde o braço do governo já não alcança mais e uma sociedade contemporânea devolvida a um esquema praticamente feudal onde “famílias” disputam território diariamente até passarem por um processo unificador que terá tremenda importância em formar uma Tóquio unificada pela extirpação da mais poderosa, tirânica e predatória gangue, uma reunião de depravados sexuais que frequentemente sequestram pessoas – especialmente jovens mulheres – para seus fins perversos de abuso sexual, canibalismo e escravização como mobília viva.
Como resistência surgem na tradicional dupla formada por dois jovens bons de briga – um menino ainda na puberdade que infiltra-se pelas ruas e masmorras erguidas na ambiência urbana como reflexos de mentes viciadas e perturbadas e uma jovem filha de um sacerdote satanista que assume protagonismo para chutar os traseiros de tipos moralmente repulsivos e tornar sua voz uma voz de liderança, no tema do forasteiro responsável por resistir, motivar e unir.
Responsáveis não só por pouco a pouco começarem a agregar uma resistência ao terror opressivo onde pais pervertidos, filhos mimados e sacerdotes fanáticos surgem como caricaturas grotescas do conservadorismo da tradicional família japonesa, com suas profundas raízes cultivadas a base da continuidade sanguínea e na devoção religiosa. Cabe aos rappers de todas as outras tribos tornar seu canto único contra a tribo antiga, paternal e hierárquica. Não à toa, todas as outras tribos são formadas basicamente por jovens, especialmente Saru, a gangue protagonista, que atendem ao estereótipo do adolescente saudável e com forte senso de dever em comparação com o visual estranho e as práticas ilícitas ou ao menos pouco usuais das outras.
Sono dirige um filme que se move em ritmo alucinado, sem freio algum, com poucas concessões de ritmo – se cinema deveria ser menos narrativa e mais impacto audiovisual, sua narrativa totalizante dá as informações de maneira lúdica, integrando à exposição de fatos à ação física e à música. Gangues de Tóquio é praticamente só música, só violência, hipergrafismo gerado em computador, só correria, combates mano-a-mano coreografados, perversão sexual, humor imbecil, cenas deslocadas da narrativa principal e inseridas na montagem de maneira quase aleatória caso não se soubesse da intenção de fazer um filme hiperbólico e histérico, assumindo para si um manto de grotesco e ridículo e tirando daí combustível criativo para dar organicidade e unidade ao caldeirão de referências, que remonta aos tradicionais contos japoneses, pegam as narrativas épicas ocidentais, mesclam com a cultura considerada subcultura, as iguala e faz disso um único produto expressivo, onde em sua autoescrachada mensagem motivacional de união, paz e amor mostra-se o poder agregado do cinema, conjugando sob o mesmo teto várias párias sob uma só gangue, a Tokyo Tribe. E apesar do tom de ironia e comicidade, o pensamento parece agradável aos olhos e ouvidos de Sion, sempre mais explosivo, mais exagerado e mais inventivo a cada novo encontro entre rima e porradaria.
Visto durante o Festival do Rio 2014.
Assistirei, essa critica já dá tontura só de ler imagine o filme...
Sion Sono produz cerca de dois filmes por ano e mantém o nível na loucura dos roteiros e da excelência ao filmar. Ansioso por Gangues de Tóquio.
Adoro estas bizarrices japonesas.
O Filme parece que foi dirigido por um pré-adolescente que está em fase de ebulição.