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Críticas

Cineplayers

Um filme B honesto, apesar de muito ruim.

3,0

A pensadora francesa Simone de Beauvoir dizia que gostava de filmes passados na Antiguidade Clássica porque podia ficar vendo as pernas dos centuriões – para tanto, sentava-se logo nas primeiras cadeiras do cinema. Explico a piada: era a época do feminismo, as mulheres começavam a dizer o que sentiam e os filmes de saiote, como eram chamados no Brasil, em especial derivados de Ben-Hur, eram superconservadores, falando de religião, condenando a luxúria e os ritos pagãos da sexualidade então latente em prol de uma sociedade mais pura e cristã. Daí Beauvoir fazer troça dos filmes: ela, liberal e feminista, via uma porcaria reacionária daquelas para se locupletar com o monte de carne masculina à mostra.

Não vá ver esse novo Fúria de Titãs esperando por um festival de barrigas rasgadas, bíceps gigantes e peitos fortíssimos como os de Brad Pitt em Tróia ou os halterofilistas de 300. Não tem nada disso – nem mesmo mostram os peitos da Andrômeda. Até a Medusa anda de sutiã, mesma sendo ela meio cobra e morando sozinha numa ilha nas profundezas do inferno.

Fúria de Titãs é um remake de um filme trash dos anos 80 em que deuses enciumados exigem o sacrifício da mais bela mulher do pedaço por conta da putaria que corria solta. Cabe a Perseus, um semideus, matar o tal Kraken, uma espécie de primo gordo do Godzilla que o deus das águas, Poseidon, solta para arruinar com a galera. Ruim? E ainda nem entraram os escorpiões gigantes!

Comparar os dois filmes é um prazer maior do que o filme em si. O primeiro tinha Sir Laurence Olivier como Zeus. Esse é Liam Neeson (por que os filmes passados na Antiguidade tem de ter sempre um imperador, um deus ou um guerreiro com sotaque britânico?). O herói anterior, magro como um hippie dos anos 70, desfilava de toga branca mostrando os mamilos (enormes, aliás, motivo de piada em quase todos os blogs que comentam sobre o filme). Impassível, de rosto marmóreo, cabelos com cachos, passava uns bocados, mas nem chegava a sujar as roupas. Era um deus inspirado na Grécia clássica.

O de hoje é Sam Worthington. Sujo, barba por fazer, cabeça raspada, burro que nem uma porta,  atolado no que é há de mais infame do psicologismo rasteiro e barato da relação pai-filho, não dá uma dentro e sempre precisa de uma ajudinha de cima (do pai, Zeus, no caso) para ver se escapa dos monstros, todos horrendos e violentíssimos.

O Kraken do primeiro filme era em stop-motion, uma das mais antigas e precárias técnicas de animação do cinema, que faz a plateia atual rir da ingenuidade dos monstros. Os de hoje,  pura computação, podem até ser mais realistas (como Pegasus, o cavalo alado), mas são duros de engolir. Os escorpiões (o que seria Fúria de Titãs sem os escorpiões) estão lá, mas agora são do bem.

Nada é original. Ralph Fiennes, o vilão, parece ter saído diretamente das filmagens de algum Harry Potter (são tantos…) e nem mesmo tirou a maquiagem para interpretar Hades, o deus das trevas. Quando ele sai do fumacê preto que o envolve, rodeado de urubus e morcegos, não há quem resista e não solte uma gargalhada. Mesmo o personagem principal usa uma arma parecidíssima com a usada pelo mesmo ator em Avatar.

Fúria de Titãs marca o início dos filmes-pipoca no calendário cinematográfico de 2010, essa que promote ser uma das mais importantes temporadas na história, pois traz a grande "novidade" do 3-D. Um fiasco a tecnologia em Fúria de Titãs, que fora adicionada às pressas ao filme já pronto. Supérflua, falha em muitos momentos (a câmera "da frente" parece descolada das duas atrás), não serve para nada a não ser distrair e tornar mais difícil acompanhar. Não tem a imersão de Avatar. O que fica da experiência de ver Fúria de Titãs em 3-D é que nenhuma tecnologia pode salvar os filmes ruins de serem ruins.

Mas há um aspecto interessante nessa porcaria, um dos abacaxis do ano. Clash of Titans é tão ruim, mas tão desgraçada e abertamente ruim, que se dá o luxo de se manter nas suas raízes de filme B e conseguir fazer uma crítica social. Sim, no aspecto ideológico, Fúria de Titãs tem alguns bons insights. Critica a cegueira religiosa dos nossos tempos, cada vez mais fundamentalistas. O herói, no fim das contas, não dá nenhuma lição de moral, não se reconcilia com o pai, nem tem o chororô regado a violinos lacrimejantes.

Nesse ponto, Fúria de Titãs é honesto. Ganha nota baixa, mas com dignidade. No atual estágio do cinema, os filmes B conseguem ser de certa forma mais lúcidos que seus primos mais afortunados, preocupados em passar uma ideologia moral que Simone de Beauvoir tanto atacou. Foram-se as pernas, mas pelo menos ficaram discernimento e alguma sensatez.

Comentários (8)

Cristian Oliveira Bruno | terça-feira, 26 de Novembro de 2013 - 16:11

Se esse filme tivesse mais uma hora de duração que fosse usada para desenvolver os personagens e a história em si, teríamos um bom filme e não uma das maiores decepções do ano. Tinham Liam Neeson, Ralphie Fiennes, criaram mostros impressionantes (Calibos, Meduza e o Kraken) mas parece que Sam Worthington contaminou à todos com sua \"ruindade\".

Gustavo Hackaq | quarta-feira, 16 de Julho de 2014 - 17:24

"Até a Medusa anda de sutiã, mesma sendo ela meio cobra e morando sozinha numa ilha nas profundezas do inferno"

Ainda vou tatuar isso.

Marlon Tolksdorf | quarta-feira, 16 de Julho de 2014 - 17:42

Qual a razão desta criatura diabólica mitológica que vive no inferno não querer mostrar os peitos?

http://1.bp.blogspot.com/_x7ZJFMLN5Vo/S_9HQz7YSuI/AAAAAAAAAoI/5EprZThLwTQ/s1600/Clash-Titans-Medusa.jpg

Ah sim, a classificação etária.

Caio Henrique | quarta-feira, 16 de Julho de 2014 - 21:57

Quem não teme a classificação etária??!

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