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Críticas

Cineplayers

Um Ron Howard capaz de muitas surpresas positivas.

8,5

A televisão é essencialmente o espaço do espetáculo. Em Frost/Nixon essa origem sensacionalista, na qual a imagem vale muito mais que o conteúdo, é apresentada logo no início por meio do jornalista David Frost (Michael Sheen), âncora de um programa de pequenos absurdos na Austrália, local onde encontrou financiamento para suas excentricidades. O jornalista inglês enxerga na possibilidade de entrevistar o ex-presidente norte-americano Richard Nixon (Frank Langella) um meio para atrair grande audiência e engordar sua conta bancária.

A ideia surgiu após Frost acompanhar pela tevê o discurso de renúncia de Nixon e imaginar quantas pessoas ao redor do mundo estavam assistindo àquele pronunciamento e quanto isso deveria gerar de renda publicitária - e assim evidencia-se também o caráter mercadológico da informação. A fim de recuperar sua credibilidade como profissional de imprensa, Frost oferece uma grande quantia financeira para que o ex-presidente aceite conceder uma entrevista exclusiva para ele. No decorre do longa-metragem, não é difícil perceber a fascinação de Nixon pelo dinheiro, já que este mostra-se sempre interessado pelo lado econômico dos assuntos. Contudo, esse encantamento financeiro não parece sugerir nenhum desvio de conduta.

Justamente essa falta de julgamentos e de condenações no transcorrer da trama que são as responsáveis por parte dos méritos do diretor Ron Howard (Uma Mente Brilhante) e do roteirista Peter Morgan. Não havia de fato a necessidade de culpar o ex-presidente, já que a famosa confissão de erro é o resultado final do embate entre Frost e Nixon, e não o meio para se contar a história. Richard Nixon abdicou de seu cargo como presidente dos Estados Unidos depois de evidências que ligavam pessoas do partido republicano à tentativa de instalar grampos telefônicos e fotografar documentos no comitê democrata – episódio conhecido como escândalo de Watergate - tudo com o conhecimento de Nixon, candidato à reeleição na época após enfrentar em seu primeiro mandato desafios como a guerra do Vietnã. O presidente acabou reeleito por maioria esmagadora.

Muito da postura de Nixon reflete claramente o pensamento e o discurso do último presidente norte-americano, George W. Bush. Os discursos sobre a guerra, sobre a soberania do povo americano e a política de invasão à vida privada dos cidadãos a fim de garantir o bem da coletividade remetem diretamente às posições e as escolhas administrativas adotadas pelo último ocupante da Casa Branca. A palavra dos republicanos parece não se renovar com o passar dos tempos, mas continua a atender significativa parcela conservadora da população estadunidense. Frost/Nixon não por acaso foi lançado nos cinemas no período final do mandato de Bush, funcionando como último capítulo de uma história. E o Oscar passou sua mensagem: retratação do fim de uma era de decepções de um lado e a esperança de salvação, redenção, e retomada de valores de outro, com Quem quer ser um Milionário?, além da óbvia aproximação com o oriente.

O embate entre o jornalista e o ex-presidente se desenha como um confronto sem definição de arquétipos. É apenas um profissional defendendo seus interesses comerciais e um político com a intenção de reerguer sua imagem como homem público, além de acumular capital para lançar seu livro. E Howard mantém a linha de não imprimir julgamentos contra um político já condenado pela opinião pública, deixando seu filme falar por conta própria, o que consistiu em acerto fundamental para o resultado eloquente da trama. Não há maniqueísmo. Nixon é claramente culpado por atos nada republicanos durante sua administração como presidente da república, mas isso não é motivo para retratá-lo com repúdio, ao mesmo tempo em que o longa mostra seu lado humano e divertido. Bela construção de personagens e de suas características.

Frost/Nixon conclui que nem todo erro é por mal. Existem pessoas que erram com ou sem conhecimento, motivados por crenças e princípios particulares, mesmo que claramente errados. A frase “Quando um presidente o faz, isso não é ilegal”, tornou-se emblema do pensamento de Nixon acerca de atitudes que infringiam as leis tomadas durante sua gestão. O ex-presidente é retratado, em geral, como um homem extremamente simpático, competente como figura pública – não necessariamente política - e dono de uma oratória firme e segura. Não se torce contra ele, sente-se pena por saber que cometeu tantos abusos e por ter decepcionado os que o elegeram – mas isso, infelizmente, é comum na política.

Frank Langella é o porta-voz apropriado para Nixon, principalmente por seu tom de voz que transmite segurança, seriedade e competência, fundamental na retratação de um político duas vezes eleito presidente de seu país. O que mais preocupava Nixon era sua imagem, pois a firmeza que passava para quem o ouvia na rádio, não era a mesma para quem o assistia pela televisão. A imagem é um recurso poderoso que pode destruir a carreira de uma pessoa pública, e não por suas palavras ou ideias, mas por suas expressões e reações, justamente o que aconteceu com Nixon.

E, sabendo disso, Howard acerta novamente. O recurso do close up funciona aqui como elemento narrativo complementar aos diálogos e as atuações. A câmara capta de perto as reações e inseguranças dos personagens no decorrer da entrevista. O tom semi-documental, alcançado pelos depoimentos de personagens secundários que funcionam como testemunhas oculares dos bastidores da entrevista, colabora para o clima angustiante que paira sob a casa em que é realizada a entrevista entre Frost e Nixon.

A trilha sonora, composta por Hans Zimmer, está de acordo com as exigências da história, possui o tom certo para criar angústia e apreensão. E Howard também soube a hora de optar pelo silêncio em detrimento da trilha, e suas cenas “secas”, sem nenhuma composição musical, colaboram para os momentos de máxima tensão entre apresentador e entrevistado, sufocando o espectador por meio do jogo de câmeras e dos close ups.

Se há um grande mérito em Frost/Nixon este é, sem dúvida, a perfeita harmonia entre roteiro, um texto coeso, direção, com um Howard surpreendentemente seguro nas escolhas e na direção de elenco, atuações, marcantes como a do par Langella e Sheen, trilha sonora angustiante e complementar às necessidades do filme e edição com cortes secos e dinâmicos.

Mas, existe um momento tortuoso em Frost/Nixon. A sequência na qual o ex-presidente telefona para Frost sem propósito algum, embriagado. A passagem é condenável porque a insinuação posterior de que esse episódio pode ter dado vantagem a Frost sobre o ex-presidente, no último dia de gravação do programa, é rasa, assim como a chegada pela primeira vez atrasada de Nixon ao compromisso, se portando de forma antipática – e atípica - sem cumprimentar Frost quando este lhe estendeu a mão. Essas “sacadas” como um provável prenúncio da derrota emocional de um homem até então bastante equilibrado são simplistas demais.

Fora esse único deslize destacável, Frost/Nixon é uma retratação histórica repleta de qualidades, em um filme político acima da média.

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