Um dos últimos filmes da carreira de Hitchcock não é muito original, mas diverte e possui ótimos momentos.
Frenesi foi o penúltimo filme da honrosa carreira de Alfred Hitchcock. Também marcou a volta do diretor à Inglaterra, após mais de duas décadas sem filmar nada por lá. O filme possui muitas das muitas marcas registradas do diretor, o que implicitamente quer dizer que há alguns momentos de grande genialidade técnica. No mais, é uma história policial à lá Agatha Christie (na realidade o filme foi adaptado de um romance de Arthur La Bern) com bastante sangue, sexo e muitas reviravoltas, ou seja, é um trabalho para divertir seu imenso público, recheado de suspense e um humor negro, em sua maioria delicioso.
Há um assassino solto em Londres. Por estar no lugar errado e na hora errada, Richard (John Finch) acaba se tornando o grande suspeito da Scotland Yard. Seu amigo Rusk (Barry Foster) tenta ajudá-lo, mas é um sujeito bastante misterioso que terá sua própria história dentro do filme (não espere que eu conte nada aqui). Muitas reviravoltas – uma marca do diretor – rechearão o filme de bons momentos. Uma curiosidade: Hitchcock queria Michael Caine para o papel de Rusk – os rostos de ambos são muito parecidos entre si.
Alfred novamente utiliza uma de suas características mais interessantes como diretor: faz do espectador um agente ativo em suas cenas de suspense. Ele sabe mostrar não mais do que o necessário para fazer seu público gelar a espinha e roer as unhas. Suas cenas longas e bem elaboradas estão presentes em Frenesi, como a cena em que o assassino, após ter escondido o corpo de sua vítima em um caminhão, se dá conta que está sem seu broche, o que certamente irá incriminá-lo. Voltar para recuperar o broche no corpo da vítima será uma tarefa muito mais complexa (e divertida para quem está assistindo) do que a própria execução do crime.
Como já foi comentado, há momentos aqui e ali que demonstravam o talento superior do diretor para o gênero. Não foi preciso mostrar mais do que uma cena de estrangulamento para se temer as ações do assassino. Em certo momento, a câmera acompanha ele e sua próxima vítima até a entrada de sua casa, então retrocede, como se andando de marcha-ré, para a entrada do prédio, lentamente e sem cortes. Uma pequena pérola que simbolizou o assassinato de forma muito mais eficiente do que se fosse exibida a cena do ato em si. Como ótimo diretor de suspense, Hitchcock sabe dosar o que mostrar na tela para deixar a mente de seus espectadores fazerem parte do processo criativo do filme. Frenesi tem alguns desses momentos.
Ainda assim, é um filme bastante comercial. Para quem passou a carreira fazendo filmes de assassinos, não é lá um trabalho muito original. Algumas cenas são óbvias e em certos momentos o enredo torna-se simplesmente desinteressante. O visual de uma Londres urbana também não ajuda a criar tensão fora das cenas-chave do filme, ou seja, quando o assassino não está agindo, Frenesi é um filme bem medíocre. Isso acontece principalmente pelo fato de seus personagens não serem muito fortes ou de não terem características muito fortes. As atuações são boas, mas apenas o tanto quanto um filme policial as deixam ser.
Por outro lado, chamam a atenção também os elementos de humor presentes no filme. Hitchcock brinca com a comida (a utilização da comida em seus diálogos é uma característica sutil do diretor, mas está lá, em muitos de seus filmes – veja a cena do diálogo entre Bates e Marion em Psicose, por exemplo), brinca também com a própria morte (a mão da vítima que não quer soltar a prova do crime – mesmo horas após a morte), brinca com a polícia (os diálogos entre os detetives não são particularmente inteligentes) e, claro, brinca com a mente do espectador.
Este é um Hitchcock na média de sua carreira. Falar que é um dos melhores do diretor seria um tanto quanto exagerado. O tema já era antigo para o próprio diretor há décadas. Os atores e suas atuações não são o destaque do filme, muito menos o roteiro em si – uma história policial divertida e bem amarrada, mas que não apresentou nada de novo. É um bom filme pela marca de Hitchcock, pela sua técnica e capacidade de fazer, a partir desses elementos citados acima, que são ordinários no máximo, algo tenso, divertido e, sem dúvida, único.
Brinca, sobretudo, com o casamento num viés um tanto sexista: todos exemplos de casais mostram mulheres que dominam ou achicalham a vida dos homens. Do casal da cena inicial, o casal de amigos da protagonista, até a esposa do detetive. A comida e a cultura francesa entra como coqueteria dessas mulheres ao longo do filme. Daí também o fato de ficar uma desconfiança um pouco implícita de que Richard não seja o assassino: Como alguém que sobreviveu ao matrimônio (e acima de tudo se libertou!) por 10 anos pode ser o assassino? 😏