Fome (Hunger, 2008) é o trabalho de estréia do inglês Steve McQueen na direção. O desempenho de McQueen foi visto por muitos com bastante empolgação graças à sua forma de conduzir os atores e à maneira com a qual concebeu algumas cenas. Ressalto os enquadramentos e detalhes meticulosos, procurando sempre impactar o público, misturando sugestão de ações com a execução destas, e ainda caprichando em planos longos com diálogos eficientes – austeros em sua maioria – que mantém o espectador antenado com a sucessão de eventos. Nem todos manterão os olhos vidrados com o que se passa em cena, com o exposto horror de situação.
O contexto histórico refere-se a Irlanda do Norte no início dos anos 80, resultado de conflitos entre católicos e protestantes que datam desde o século 17. Carcerários do grupo IRA buscavam melhores condições nos presídios, pois perderam o status de presos políticos, e batalharam com reivindicações por direitos que lhes eram constantemente negados. Terminaram tratados de maneira atroz em celas diminutas, convivendo com violência diária por serem considerados terroristas. Buscando quem os ouvissem, iniciarem uma penosa greve de fome que levou a óbito 9 pessoas. As conseqüências disso são mostradas com furor pela câmera do diretor que se mantém num muro, sem tomar partido, ostentando os eventos e representando o sofrimentos das vítimas.
McQueen, que é artista plástico, concebe uma cena bastante significativa entre tantas, quando os prisioneiros mancham as paredes com fezes, já que eram obrigados a passar todo o tempo junto aos excrementos nas celas. Tal atitude era umas das formas de protesto. A estilização do ato torna-se impressionante visualmente, como se aquelas manchas fossem a retratação projetiva de suas condições sem purificações. Um derivante representativo de Marquês de Sade. Humilhados, os presos convivem com a violência lancinante. Testemunhamos enojados cenas traiçoeiras de agressão desmedida, sem economias, não com o intuito de soarem gratuitas e impressionar, mas retratar a realidade, como uma imagem documental histórica de um passado vivente.
O cultuado Michael Fassbender é a estrela do projeto, emprestando mais do que seu talento, mas seu físico. O ator perdeu muito peso para vivenciar o preso Bobby Sands, algumas cenas são repugnantes, com o corpo contorcido, raquítico e com escaras assustadoras. Faz frente a Bale em O Operário (The Machinist, 2004). A maquiagem fundamenta a elaboração de um indivíduo marginalizado, representado com talento indiscutível por Fassbender que é, sem dúvidas, um dos mais notáveis atores em atividade. Uma cena longa a qual ele discute com o Padre Moran (Liam Cunningham) é especialmente distinta pelo equilíbrio, conduzida rigorosamente pelo diretor que aposta no elenco, investindo no que esses podem fazer pelo filme criativamente.
Está longe de ser um trabalho fácil de acompanhar, já que assistimos definhamentos e injustiças atentando ao sadismo. Poderia ser considerado uma obra política pela retratação das ações e influência do parlamento britânico na dinâmica das negociações, todavia o enfoque inspira questionamentos pessoais e sociais, incidindo na iniqüidade. Algumas coisas não poderiam ser esquecidas como um acontecimento qualquer perdido na história. Bobby Sands, como outros, teve sua influência, não importando se estava certo ou errado. Não compete ao público ir a favor ou contra seus feitos, mas compreender as reações devido a eles.
Steve McQueen, que possui o mesmo nome do famoso ator morto no início dos anos 80, é inteligente em esboçar suas cenas cruas de brutalidade pouco se importando com a resistência da crítica neste seu longa de estréia. Com elas comoveu o público. Pensou-se na época que fora um golpe de sorte, algo demasiado surpreendente para um diretor estreante. Faturou o Golden Camera em Cannes e o prêmio Gucci em Veneza. Aí ele filmou Shame (idem, 2011) 3 anos depois, repetindo a parceria com Fassbender, e consagrou-se.
8,0
Não gostei do filme, acho que o resultado final ficou muito distante dos acontecimentos quando o tema pedia uma abordagem mais intimista. Em momento algum nos importamos com a situação exposta na tela, desperta o choque, mas, não o interesse.
Contudo, McQueen compõe planos impressionantes, principalmente um que mostra a violencia de um confronto entre guardas e prisioneiros e, em um movimento de cametra, revela um dos policiais atras da parede em prantos.
O homem do impacto de sua geração, Hunger é um bom exemplar do que virá a ser a obra dele se continuar nessa mesma pegada. Gosto, não tanto, mas é um filme digno. Shame foi um passo largo para frente.
Nem vi ainda, mas tá baixado e guardado em algum lugar. Shame é uma das grandes obras-primas desse início de século. E bom texto!