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Críticas

Cineplayers

Comédia inglesa metidinha do ano, com o presidente Franklin Delano Roosevelt de atrapalhado da vez

5,5

Poucas vezes um diretor teve um elenco tão afiado, uma história tão interessante, tantas possibilidades de se fazer um grande filme como Roger Michell nesse Um Final de Semana em Hyde Park (Hyde Park on Hudson, 2012). A primeira visita da rainha e do rei da Inglaterra aos Estados Unidos, numa tentativa de convencer o então presidente Franklin Delano Roosevelt de entrar na guerra na Europa para derrotar os nazistas, tinha tudo para ser o filme do ano, uma sátira política com potencial para risos e discussões inúmeras, mas o diretor de Um Lugar Chamado Notting Hill (Notting Hill, 1999) preferiu ficar na fofoca e fazer da obra uma ridícula historieta “de amor” entre o presidente e sua prima distante, um melodrama tão anêmico que nem Laura Linney e Bill Murray foram capazes de fazê-lo crível.
 
Na hora e meia de filme, salva-se a meia hora central, quando rei e rainha chegam à residência de campo em que o presidente americano vivia com a mãe (Elizabeth Wilson, ótima). Elenor Roosevelt (Olivia Williams, inspiradissima), a esposa, morava sozinha em outra casa, cansada que estava das inúmeras traições do marido. Roosevelt (Bill Murray) mantém um caso ao mesmo tempo com a secretária (Olivia Coman, excelente) e com a citada prima, esta num sofrível esforço de interpretação de Laura Linney, mas nenhuma atriz é capaz de segurar uma personagem tão raquítica. O filme é baseado na correspondência entre presidente e amante depois da morte dela. Foi escrito pelo dramaturgo americano Richard Nelson com certa inspiração na parte política, mas um desastre quando trata do caso amoroso.

A impressão que se tem é que objetivo maior de Hyde Park on Hudson era dar uma indicação ao Oscar a Bill Murray. E só. Fora desse contexto, não há explicação para o filme. Ou seja, seria mais um “filme do Oscar”, essa aberração surgida nos últimos anos que aparece no fim do ano destinada a concorrer e vencer prêmios. Assim, Bill Murray aparece em quase todas as cenas, rindo à larga, mostrando os dentes, e lidando com a paralisia nas pernas, pois o presidente americano foi vítima da poliomelite. Mas o resultado final é tão ruim que nem isso conseguiu.

Há um momento que talvez resuma todo o filme. Roosevelt leva o rei George para nadar - George VI, o mesmo interpretado por Colin Firth em O Discurso do Rei (The King's Speech, 2010). Eles saem de carro, param no meio dos jornalistas, dão bom dia, conversam amenidades, e vão para a piscina. Ninguém tira uma só foto deles em roupas de banho. Havia ainda cordialidade, respeito à privacidade, descência, profissionalismo, substância. Ninguém estava ali para fazer jornalismo vulgar e baixo, imprensa marrom, de fofoca, que hoje domina o noticiário. Presidente dos EUA e rei da Inglaterra podiam ir à piscina tranquilamente mesmo tendo de passar por uma muralha de fotógrafos e repórteres.

Ou seja, o filme sofre do mesmo problema que critica. Vivemos num tempo em que a sátira política desapareceu, se não por completo, mas ninguém consegue mais fazê-la decentemente. Na época da cultura das celebridades, os políticos tornaram-se também eles vítimas da indústria das fofocas, e a verdadeira política foi aos poucos cedendo espaços para casamentos, roupas, mexericos e detalhes mesquinhos da vida pessoal dos ocupantes do poder.

Hyde Park on Hudson quase não fala de política: chega a ser saudosista na sua curta e insuficiente crítica - a personagem de Linney mesmo menciona positivamente “uma época que se podia ainda guardar segredos”. O filme tenta ressaltar uma suposta “grandeza” de seus dirigentes antes que a baixaria geral tomasse conta. Mesmo na cena do cachorro quente, quando o presidente americano obriga o casal real a comer a estranha iguaria dos americanos, vê-se que estariam ali dois homens conscientes de seu caráter público – antes do cinismo e do populismo deturparem tudo. Fantasioso e utópico, mas é disso que o cinema vive, afinal de contas. Roosevelt é sempre conciliatório e equilibrado em suas falas, um estadista mesmo na intimidade, é o que quer o filme, sem no entando fornecer nenhum embasamento para tal afirmação, apenas mistificação.

Ressente-se também o fato de a rainha Elizabeth (a mãe da Elizabeth II atualmente no poder) estar sempre reclamando de tudo relacionado aos EUA. É falsa a premisa do filme de que os britânicos eram uns conservadores na bancarrota, implorando ajuda dos americanos ricos e “modernos”, sexualmente liberados. O filme força a mão na mitologia de Franklin Delano Roosevelt, o pai do New Deal, que tirou o país da recessão, uma figura emblemática para a esquerda em todo o mundo – vê-se que o clima da reeleição de Barack Obama vazou aqui.

Enfim, Hyde Park on Hudson é um filme divertido às vezes, bem interpretado sim, com alguma inteligência (pouca), mas que fica na superfície para não incomodar ninguém. Afinal, é o diretor de Notting Hill que está tocando o barco, e seu filme está firmemente fincado no tradicional gênero “comédia de exportação inglesa”, que tanto faz sucesso nas últimas décadas. Se as personagens são políticos, pouco importa: o que interessa são as trapalhadas, brincadeiras, piadas e desaforos ditos com elegância e olhos arregalados da contraparte. É como se Bridget Jones ainda estivesse escrevendo seu diário, só que agora nos EUA, nos anos 40, e seu maridão fosse um presidente. E eles ainda jogam cartas à tarde.

Comentários (3)

Shin Chan | segunda-feira, 25 de Fevereiro de 2013 - 23:01

Bill Murray quase foi escolhido a ser indicado ao Oscar este ano,se não fosse Denzel Washington por Voo

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