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Críticas

Cineplayers

Perseguindo as perspectivas de cinema.

7,0
Se há um elemento notório em Um Filme de Cinema é a falta de um assunto central, elemento que é tão interessante quanto ao mesmo tempo distrativo, pois não confere grande unidade ao filme de Walter Carvalho. Se a impressão geral foi de muitas conversas editadas em um coral de reflexão com laço bastante frouxo em suas delimitações, é porque foi a intenção.

Ao longo de mais de uma década, o diretor entrevistou nomes famosos como Ruy Guerra, Béla Tarr, Jia Zhang Ke, Ken Loach, Hector Babenco, Lucrécia Martel, Júlio Bressane e outros nomes de destaque do panorama cinematográfico mundial das últimas décadas sobre o fazer cinematográfico.

A forma que Walter Carvalho encontra para conjugar todas essas entrevistas como um filme foi ter como pano de fundo uma última sessão de um cinema abandonado há décadas no Nordeste brasileiro.

Assim, os artistas entrevistados participam de um curioso documentário que apesar de mostrar perceptivelmente para o espectador uma estrutura didática sobre o que é e como é trabalhar com cinema, ao mesmo tempo também dá bastante liberdade para divagações.

Dirigido a partir da concepção de um renomado diretor de fotografia que já havia registrado antes outra obra documental, Janela da Alma, daquela vez interessado em como doenças oculares afetam a nossa percepção de mundo, é curioso que o assunto possa ter o escopo trocado mas a essência continua a mesma: como algumas pessoas enxergam o mundo através de sua condição especial de criadores de imagens em movimento.

Abordando os mais variados assuntos, desde como se produz o filme até técnicas de filmagem e edição, passando por filosofia sobre a arte e seu ofício, como extrair atuações de atores e, um ponto crucial em muitos momentos e citações, as referências. Ou abrindo mais a definição dessa categoria, a memória e como ocorre a construção da mesma na feitura de uma obra cinematográfica.

Único entrevistado que não é cineasta, Ariano Suassuna dá seu depoimento sobre filmes que marcaram a sua infância no velho cinema de sua cidade. Em um relato entre o nostálgico e o cômico, a lembrança do autor de O Auto da Compadecida sobre filmes B e musicais antigas é compartilhada por outros cineastas em matéria de influência e aprendizado. Béla Tarr, por exemplo, aprendeu a filosofia de “cortar com a câmera” com Godard, para poupar tempo na sala de edição e por crer que incentiva a sensação de temporalidade e atores realmente “sendo” ao invés de “fingir". Amparado pelos conceitos de Deleuze de imagem-tempo e imagem-movimento, Júlio Bressane lembra de Limite e a câmera transgressora e livre de Mário Peixoto ainda no estágio germinal do cinema.

Com a montagem repleta de inserts de filmes citados, colando as respostas dos cineastas de maneira que conversem, muitas filosofias de cinema e muitas experiências chocam-se de maneira quase que despretensiosa no filme de Walter Carvalho, cuja curiosidade em perceber como cineastas enxergam o cinema gerou um documentário sobretudo afetivo, usando o formato talking head de maneira até previsível, digamos, mas com uma elaboração de pensamento de montagem (com sequências silenciosas, sobreposições abstratas, montagem ritmada) que propõe uma imersão completa naquele mundo.

Portanto, sai de esquemas preguiçosos - como o foi De Palma (2016) de Noah Baumbach - e antes mesmo de criar uma grande obra cinematográfica quer convocar um encontro entre entrevistador, entrevistado e espectador. E é justamente nessa parcialidade carinhosa e subjetiva que o filme encontra sua sensibilidade e cresce. Dá até para ver o que Walter Carvalho busca quando trabalha como diretor de fotografia: suas imagens delirantes, experimentos com lentes e exposição são todos como seus documentários - a busca infindável pelo olhar do outro.

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