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Críticas

Cineplayers

O ápice da anarquia de Seth Rogen e sua trupe.

7,0
Seth Rogen é um daqueles seres para ser estudado. Sendo um dos comediantes mais sólidos na atual Hollywood, o ator desde sempre desafiou o politicamente incorreto e o tradicionalismo em suas produções, nas quais sempre está diretamente envolvido. De uma ponta em Donnie Darko (idem, 2001), o ator, produtor, diretor e parte do clã de Judd Apatow encontrou o lugar ao sol para suas ideias próprias desde Superbad - É Hoje (Superbad, 2007), e desde então veio cimentando suas tiradas peculiares sobre o conservadorismo, os limites das risadas no próprio cinema, a escatologia e grosseria nem sempre bem aceitos e outros temas sempre pertinentes na atualidade. Festa da Salsicha (Sausage Party, 2016) é o encontro de todas estas características potencializadas em um único filme, sendo assim o ápice de Rogen e sua turma, para o bem ou para o mal. 

E de onde o filme (ou seria mais correto chamar apenas de animação?) busca tantas brechas para tamanho anarquismo? De um cenário não muito original, mas antes improvável para tais ideias: em um supermercado, os alimentos são seres vivos, pensantes e falantes, mas jamais notados pelos seres humanos (visto como Deuses pelas comidas) como conscientes. No supermercado, existe uma crença alastrante sobre o que há no mundo lá fora, uma crença que os leva acreditar que serão livres, e não que serão devorados sem qualquer cerimônia por seus “deuses”. Uma fé cega. Nesse cenário, os protagonistas são os apaixonados Frank (Rogen), uma salsicha, e “a pão” Brenda (Kristen Wiig). Quando uma mostarda devolvida ao supermercado começa a gritar que o mundo lá fora não é o que parece a crença nos “deuses” é uma mentira, um pandemônio se instala no supermercado e, alguns alimentos se perdem após a confusão, inclusive Frank e Brenda.

A partir da premissa, é possível notar a cutucada do roteiro de Evan Goldberg, Kyle Hunter, Ariel Shariff e do próprio Rogen na questão do fanatismo religioso e devoção desmesurada imagens que tragam aos crentes a idealização de uma recompensa num mundo além. E não para por aí. O objetivo de Festa da Salsicha é mais ser um afrontamento sem amarras para com a moral e os bons costumes de uma sociedade que, em suas regras impostas, insistem em se afirmar como puritanos. E nisso, dá-lhe um cem número de gags com cunho sexual, homossexualidade, diversidade, libertinagem, consumismo, legalização das drogas, conflitos religiosos (a representação dos muçulmanos e judeus é muito bem-vinda e nada sutil)... Festa da Salsicha atira para todos os lados e, sem pensar duas vezes, compromete tudo e todos.

A animação é feliz não por pensar sobre com quem fazer piada, mas como fazer, e as risadas são autênticas quando o roteiro acerta neste ponto. Tudo é bastante ácido, mordaz, desvairado, insano, e a animação diverte (e se diverte) com todo esse teor nonsense. E sem perder seu espírito de autênticos conhecedores do cinema, há nesse meio um bom número de referências a clássicos como O Resgate do Soldado Ryan (Saving Private Ryan, 1998), Star Wars: Episódio VI - O Retorno de Jedi (Star Wars: Episode VI - Return of Jedi, 1983), O Exterminador do Futuro (The Terminator, 1984), mais algumas cenas de “desastres” que muito lembram as destruições nos filmes de Roland Emmerich e sutis brincadeiras na trilha sonora com produções épicas faroestes de Sergio Leone. Tudo muito gratuito, é verdade, mas que funcionam como uma diversão extra para os conhecedores da cultura do cinema.

Se Festa da Salsicha tem problemas (e nesse caso, problemas difíceis de ignorar mesmo diante da proposta), estes estão nos exageros já esperados da mente de alguém como Seth Rogen, mas que graças ao tom desmiolado do filme, também atingem seu ápice aqui. As piadas sexuais inevitavelmente cansam lá pelas tantas, se tornam bobas e incoerentes, dando a impressão de que foram imaginadas por adolescentes na puberdade que ainda não finalizaram o ensino médio. E para uma comédia que aposta tanto nessa vertente, tal descontrole sobre o que realmente está sendo feito para fazer rir pode ser um baita empecilho. E é preciso dizer, o “ato final” irá dividir opiniões sobre tudo isso.

Mas Festa da Salsicha é, sim, um filme louvável por seu afrontamento bem-humorado, por sua consciência social e geopolítica, por tentar quebrar amarras (a opção em ser uma animação não é em vão) de um mercado cinematográfico que ainda insiste em se manter na confortabilidade, mesmo que não seja exatamente memorável para isso. E acima de tudo, vale por conseguir fazer rir de forma tão inesperada.

Comentários (2)

Augusto Barbosa | segunda-feira, 26 de Dezembro de 2016 - 22:29

Como associei o ato final, quando toda a mitologia religiosa cai por terra, a Os Demônios, do Ken Russell, não o achei gratuito. E até a tirada metalinguística do finalzinho não me soou forçada. Curti pacas.

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