Mostrando segurança e sensibilidade na direção, Selton Mello divide seu trabalho com os atores e em troca recebe ótimas atuações.
(Cobertura do Festival do Rio 2008)
Se os filmes de estréia são o cartão de visitas, o documento no qual o diretor diz a que veio e mostra sua personalidade, qual é a importância da seqüência inicial nesse processo? Ela não só nos apresenta o diretor, mas a trama, os personagens, a fotografia, o clima que percorre aquele filme. Então deixo aqui uma dica sobre Feliz Natal, primeiro filme com Selton Mello na direção: não se atrase a ponto de perder as primeiras cenas, porque o diretor já se mostra ali. O filme começa sem que saibamos muita coisa, a não ser de um homem num ferro-velho, em uma espécie de alucinação e uma despedida. Não se sabe quem nem aonde se vai. Mas vamos com ele e chegamos a uma festa de Natal, onde bem cedo a ação começa e também já chega ao seu clímax. Somos apresentados aos ângulos contidos e íntimos e à fotografia escura escolhidas para contar a história dessa família de personagens solitários, que na noite de Natal recebe a visita de um parente não-grato e há muito sumido.
Caio (Leonardo Medeiros) chega à festa de sua família depois de anos sumido, e reencontra todos instalados em suas próprias questões e melancolias. Graziela Moretto interpreta a cunhada Fabi, que no momento da festa se esforça para que tudo termine bem aquela noite, se impacientando apenas com a sogra Mércia, personagem com a qual Darlene Glória faz um retorno digno de diva - e para destacar sua atuação é só prestar atenção em cenas como a do reencontro entre mãe e filho, uma das mais sensíveis. Rejeitado pelo pai (Lúcio Mauro), cobrado em suas responsabilidades pelo irmão Téo (Paulo Guarniere) e perturbado pela constatação da fragilidade de sua mãe, Caio segue o trajeto que propôs a si mesmo e continua seu acerto de contas com o passado enquanto seus parentes passam o resto da história em busca de absolvições e esperança.
Nas interpretações os destaques ficam para Darlene Glória - presença sem a qual o filme seria outro – e Paulo Guarnieri que voltaram às telas depois de anos, numa atitude muito aertada de Selton. E na ponta oposta da linha da experiência está Fabrício Reis, ator que interpreta o menino Bruno, o membro mais novo da família. Em seu primeiro papel, Fabrício que tem 6 anos já ganhou um troféu no Festival de Paulínia 2008, onde o filme e o diretor também receberam prêmios.
A fotografia escura desagradou muita gente, mas em entrevista a justificativa dada demonstra o respeito com o ator: a questão da emoção cortada para a entrada do rebatedor de luz fugia completamente da naturalidade que o filme buscava, representada na humanidade de cada ruga de tristeza filmada de perto, que a fotografia de Lula Carvalho valorizou nos vários momentos de proximidade cúmplice. Essa intimidade, porém, não é espalhafatosamente melodramática, é contida que nem choro engasgado, e você sente o peso daquelas emoções sem precisar gastar uma caixa de lencinhos com isso.
Enfim, na generosidade de um ator dirigindo atores o público ganha uma história sobre as várias possibilidades da solidão e a estréia de um diretor que promete. Agora é esperar que ele cumpra!
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