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Críticas

Cineplayers

Visualmente espetacular, mas falho no desenvolvimento da história e do personagem principal.

5,0

Há aproximadamente dois anos, após assistir A Lenda de Beowulf, escrevi as seguintes palavras sobre o filme: “A impressão que fica é a de que Zemeckis parece uma criança feliz com seu novo brinquedo, disposta a utilizá-lo até gastar. (...) A Lenda de Beowulf não é um ruim, mas o resultado serve como aviso ao cineasta: se continuar insistindo na brincadeira, pode acabar tendo que brincar sozinho.”

O brinquedo em questão era a chamada “captura de performance”, nova tecnologia que aproveita as próprias expressões dos atores para desenvolver uma animação digital. Antes do filme já citado, Robert Zemeckis também utilizara a novidade em O Expresso Polar. Justiça seja feita, ambas as produções estavam longe de poderem ser consideradas fracas, porém jamais atingiam a qualidade que Zemeckis apresentou em alguns de seus trabalhos tradicionais, mais especificamente De Volta para o Futuro, Forrest Gump - O Contador de Histórias e Contato.

Mesmo com a recepção morna aos seus dois últimos esforços, Zemeckis optou por continuar brincando com a tecnologia. Seu novo filme, Os Fantasmas de Scrooge, é uma adaptação de Um Conto de Natal, a clássica história de Charles Dickens, através dessa ferramenta. Para quem não conhece, o enredo conta a história de Ebenezer Scrooge, um velho ranzinza que passou a sua vida juntando fortuna e desprezando qualquer contato com as pessoas. Em uma noite de Natal, ele recebe a visita de três fantasmas, que o apresentam a visões do passado, presente e futuro, levando-o a reavaliar sua própria vida.

O primeiro fato importante a ser lembrado é que a história de Dickens já recebeu dezenas (se não centenas) de adaptações. É um dos contos mais lidos e lembrados de todos os tempos. Segundo o IMDB, as versões cinematográficas da jornada de Scrooge tiveram início em 1901; desde então, praticamente todas as décadas foram agraciadas com alguma revisitação da obra, passando pelos mais diversos gêneros. A mais recente versão ocorreu ainda este ano, com o desastroso Minhas Adoráveis Ex-Namoradas.

Como, então, transformar uma história tão querida e conhecida em algo novo para o público? Robert Zemeckis optou pela animação com a “performance de captura”. De certa forma, sua escolha foi correta. Ninguém jamais assistiu uma versão da obra de Dickens com tamanho esplendor visual como em Os Fantasmas de Scrooge. A tecnologia demonstra claras evoluções em relação ao que foi feito em O Expresso Polar e A Lenda de Beowulf: é fascinante acompanhar em detalhes todas as rugas do rosto de Scrooge ou a fantástica iluminação proveniente das velas, por exemplo. Da mesma forma, os cenários criados pela equipe de Zemeckis são exuberantes e ricos em detalhes, com a beleza realçada pelo 3-D – bem aproveitado, por sinal, e não utilizado como mero recurso por si só.

O que também contribui para fazer de Os Fantasmas de Scrooge um verdadeiro espetáculo para os olhos é a própria habilidade do diretor. Zemeckis sabe como construir planos inspirados e repletos de elegância, aproveitando ao máximo a beleza proveniente do CGI. Cenas como a de Scrooge saindo da neblina para chegar em casa ou a do mesmo personagem visto na sombra de um relógio demonstram a capacidade do cineasta para compor um quadro visualmente irrepreensível, comprovando toda a capacidade técnica não somente de Zemeckis, mas também de toda a sua equipe.

Infelizmente, se acerta nessas questões, Zemeckis peca na narrativa, jamais encontrando o tom de seu filme. O clássico de Dickens se tornou atemporal por ser capaz de falar com pessoas de qualquer idade e de qualquer época, mas as opções do cineasta acabam fazendo com que a obra não consiga se adequar a qualquer público. Em certos momentos, Os Fantasmas de Scrooge parece um videogame, com cenas de ação desnecessárias construídas com o único objetivo de atrair o público infantil pela velocidade e apelo visual, como aquela na qual Scrooge reduz de tamanho. Por outro lado, o filme traz trechos sombrios, com imagens que podem impressionar os mais novos, além de ter um ritmo devagar, principalmente em seus primeiros instantes.

A principal falha de Os Fantasmas de Scrooge, porém, é jamais fazer a plateia acreditar totalmente na transformação do personagem. O núcleo da história de Dickens sempre foi a jornada de Ebenezer Scrooge, que começa a obra como um velho casmurro e termina como um homem generoso. Zemeckis parece tão embasbacado com a tecnologia que perde um pouco a noção do que importa. A mudança de Scrooge não é realizada de forma gradual e, portanto, torna-se pouco crível. Na verdade, o personagem parece encontrar a sua redenção logo na aparição do primeiro fantasma, o que enfraquece a sua jornada.

Dessa forma, o filme acaba sendo estéril em termos emocionais. Toda a criatividade e capacidade técnica vistas na questão visual não encontram paralelo em termos dramáticos. Os Fantasmas de Scrooge não deixa de ser uma realização impressionante e, a certo ponto, importante, por mostrar a evolução tecnológica dos efeitos digitais. É uma pena, porém, que fique no meio do caminho no que realmente importa: a história e os personagens, coração do clássico de Charles Dickens.

Será que desta vez Robert Zemeckis aprendeu a lição?

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