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Críticas

Cineplayers

Sátira de Brian De Palma à "degradação da música nos anos 70" resultou numa adorável porcaria venerada por uma multidão da fanáticos.

7,0

Depois do sucesso de The Rocky Horror Picture Show (idem, 1975) ao longo das décadas (acaba de virar musical na Broadway), mais um filme ruim da mesma safra desponta para ser cult: O Fantasma do Paraíso (Phantom of the Paradise, 1974), porcaria que Brian De Palma dirigiu um ano antes com músicas um pouco melhores e com o mesmo humor camp dos anos 70, que agora sai em disco duplo em Blu-ray recheados de extras para delírio dos fãs, entre eles o cineasta Guillermo de Toro e o duo de música eletrônia Daft Punk – que dizem tê-lo visto 20 vezes). Os fanáticos inclusive já se organizam nas chamadas Phatompaloozas, convenções sobre a obra, que retorna aos cinema em cópias restauradas em 2015.

Phatom of the Paradise na verdade sempre foi um cult, mas não nas mesmas proporções de The Rocky Horror Picture Show. Tem os motivos para tal: foi  fracasso de crítica e bilheteria na estreia. Tirou tanto sarro do mainstream que levou um processo na justiça do Led Zepellin (por conta da alusão à gravadora, Swan Records; os produtores tiveram de mudar os negativos a mão para o agora famoso Death Records, cujos souvenirs são sucesso de vendas no Ebay).

Trata-se de uma sátira à indústria musical e ao que De Palma chamava, naquela época, de deteriorização da indústria do entretenimento (cinema incluído). Assim, The Beach Boys aparecem no filme como Beach Bums, a banda Kiss como The Undeads e, óbvio, David Bowie como Beef, um drogado afetadíssimo que termina assassinado pelo Fantasma. Todos ridicularizados em cenas que lembram a tevê comercial em seus piores momentos do domingo à tarde.

Pode até parecer inteligente, mas não é – e nem é essa a intenção. O roteiro, do próprio De Palma, é um amontoado proposital de clichês que mistura de maneira improvável o Fausto, de Goethe (vender a alma ao diabo por dinheiro e poder), O Retrato de Dorian Gray, de Oscar Wilde (a eterna juventude), com, é claro, O Fantasma da Ópera. Tem também uma famosa citação que De Palma faz a Hitchcock em vários de seus filmes: no caso, é Psicose (Psyco, 1960), a cena das facadas no chuveiro, mas com um desentupidor de privada que o Fantasma enfia na boca do Beef para ele parar de cantar. Há que ser um fã realmente radical do De Palma para achá-la engraçada, ou um fã muito ruim do Hitchcock para se gostar dela, mas é desse tipo de piscadela cinéfila que vivem os cults cinematográficos.

Um compositor, Winslow Leach (William Finley), tem a sua suposta obra-prima, uma cantata de quatro horas de duração baseada no mito do Fausto, roubada por um grande empresário da música, Swan (Paul Williams, letrista, entre outros, dos Carpenters – também zoados no filme, Carburators –, responsável pelas canções do filme). Na tentativa de vingança, Leach termina desfigurado num acidente. Com sua roupa de couro e um capacete metálico que lembra um pássaro, ele vai perturbar a vida do Paraíso, a sala de espetáculos de Swan que seria inaugurada com a tal obra-prima refeita para ser um sucesso pop. O Fantasma termina apaixonando-se pela cantora que interpreta uma das canções (Jessica Harper, que, na sequência, faria Suspiria [idem, 1977], de Dario Argento). Além das facilidades do roteiro, outros elementos explicam em parte o sucesso posterior do filme: o humor cáustico em relação a ícones da música, uma história de amor impossível e a bizarrices das personagens, supostamente engraçadas.

Quando filma essa gangue de estranhos, De Palma o faz sem julgar ninguém e esse é o grande momento do filme: essa leveza, essa falta de julgamento (humanismo, diriam uns), nos remete a uma época passada onde as pessoas (em especial a arte) eram menos duras nos julgamentos, mais condescendentes com os “defeitos” dos outros e com a mente mais aberta. Se há algum valor em Phantom é a maneira como De Palma fez sua crítica, nem tanto os criticados em si. Ademais, o filme foi produzido por um grande estúdio, a Fox, e foi lançado no Halloween de 1974.

Outro ponto que talvez explique o ressurgimento do filme: a nostalgia, fundamental para alimentar o mito de um cult. Os artistas vítimas da sátiras, se comparados aos produzidos hoje, são meio que clássicos, se pensarmos que a grande indústria hoje vive de Justin Bieber e Celine Dion, para ficar só na música produzida no Canadá. Os grandes magnatas do show biz e as poderosas gravadoras, que praticamente definiam o que o público iria ouvir, foram destruídos pela internet. Aquele engodo todo (filmado de maneira debochada e anárquica) de certa forma desapareceu, mas o produto dele não. Há portanto uma certa complacência em se ver O Fantasma do Paraíso hoje em dia: aquelas pessoas contribuíram para a degradação da música, como quer De Palma, elas perderam seu poder, foram “punidas”, mas a música tampouco melhorou, nem melhorará nunca, porque isso não existe.

De Palma faria melhor nos seus filmes seguintes (Carie, A Fúria, Vestida para Matar) e muito pior também alguns anos depois. Sua energia criativa estava ali, certo, mas não sua sofisticação, que ele insiste em esconder. Em Phantom, ele é sofisticado intelectualmente, não esteticamente, e o filme resulta um tanto raso. De Palma se dá melhor com roteiros elaborados e que lhe permitem personagens enigmáticos e densos, além de intrincadas cenas, referenciais ou não. Esse sim é o melhor De Palma.

Os sites mais conhecidos dedicados ao culto do filme são http://swanarchives.org/, com praticamente todas as informações possíveis sobre a obra (o proprietário afirma ter vários argentinos assíduos seguidores), e o canadense http://phantomoftheparadise.ca/, de Winnipeg, onde o filme nunca cansa de ser exibido e foi sede dos primeiros Phamtompalooza.

Comentários (8)

Nilmar Souza | terça-feira, 27 de Janeiro de 2015 - 02:01

Brincadeira bacana e talz, mas o De Palma tem no mínimo uns 12 melhores que esse.

Rodrigo Giulianno | terça-feira, 27 de Janeiro de 2015 - 10:30

É este tipo de filme que falta hoje em dia

Bruno Kühl | quarta-feira, 09 de Março de 2016 - 14:59

Amo os textos do Demetrius 😏

"Sua energia criativa estava ali, certo, mas não sua sofisticação, que ele insiste em esconder. Em Phantom, ele é sofisticado intelectualmente, não esteticamente, e o filme resulta um tanto raso. De Palma se dá melhor com roteiros elaborados e que lhe permitem personagens enigmáticos e densos, além de intrincadas cenas, referenciais ou não. Esse sim é o melhor De Palma." Assino embaixo! Apesar do filme ser energético, senti falta de um maior cuidado estético (é muito bonito visualmente, mas não é tão intrigante e rico quanto nos demais do diretor), talvez pela caricatura e o tom de brincadeira que não possibilitaram uma maior profundidade na construção visual e simbólica.

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