8,0
A diretora Brunna Laboissièrre descobriu um diamante bruto e seu longa Fabiana é a prova de sua lapidação. O filme faz parte da mostra competitiva principal do Olhar do Cinema, e é um dos únicos filmes brasileiros na principal. Como visto em outros filmes, também se trata de um documentário indo pelo lado do observacional (gênero em voga no mundo todo, o próprio festival deixa isso bem marcado), mas com um caráter de troca pontual, com a realizadora mostrando suas armas de ourives em cena através do molde que suas questões aparecem, e em como prepara o terreno para a personagem título, seguida em close pela câmera, que aos poucos vai desmembrando pedaços de sua vida e oferecendo ao público um recorte, um mosaico que terá de ser completo com liberdade de associação.
À disposição de Brunna, elementos do passado e do presente da biografada são apresentados em caráter gradual, para que as peças do quebra-cabeça sejam mostradas sem moralismo e ao espectador caiba montar. Dito isso, a realizadora esquadrinha um roteiro de riqueza singular e que coloca seu material em igual situação de excelência dos melhores da atualidade, a partir desse aspecto. O trabalho de montagem e as decisões provenientes dele moldam esse mesmo roteiro e movem nossa percepção em relação àquela mulher, que vai sendo descortinada de forma única. Nesse sentido de apresentação, abre um leque de possibilidades ainda maior para a narrativa, criando lacunas que não serão respondidas frontalmente - e reside aí um dos fascínios do longa.
Fabiana por si só já carrega muitos símbolos. Mulher trans, caminhoneira, nordestina, sexualmente ativa, ao mesmo tempo carrega uma brejeirice e uma espontaneidade, ainda que ligeiramente reservada quando evoca seus sentimentos, a personagem é um real achado. Casada com Priscila, ela não se furta em dividir suas experiências (muito mais afetivas e humanas do que necessariamente lascivas) em uma chave que trafega entre a inocência, a discrição e uma abertura rara. Um universo tão rico que carrega um mesmo personagem que cabe ao espectador levar suas dúvidas para fora da sessão, até porque provavelmente quanto mais revelações fossem feitas, mais curiosidades seriam colocadas. O filme entende esse percurso e nos entrega muito mais do que Fabiana, mas sua passagem pela tela, que é suficientemente impactante.
De posse de tanta elaboração possível num mesmo projeto, Brunna teve a sagacidade de armar esse dispositivo fora do padrão, mas que a posiciona em destaque dentro de um cenário atual brasileiro que já é muito potente e diverso. Imbuída de características multifacetadas que a própria personagem já dá, a realizadora arma seu longa com refinamento e novidade, e não contente com o tanto que pode entregar, ainda consegue promover uma espécie de 'plot twist', que muito mais do que espantar ou surpreender, literalmente absorve mais humanidade e camadas a um ser humano que não para de fornecer novas e mais arriscadas discussões, tanto ligadas ao cinema quanto ao que intrinsecamente profundo tem em si.
Filme visto no Olhar de Cinema de Curitiba
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