Filme que aposta na computação gráfica de última geração para impressionar. Faltou um cuidado melhor na história.
Robert Zemeckis, diretor de grande fama e prestígio, resolveu para 2004 criar uma obra de grande risco: adaptar uma história do escritor Chris Van Allsburg recheada de elementos fantásticos para o cinema, com um orçamento estimado de US$ 150 milhões. A história é possuidora de momentos impressionantes, e para levar isso às telas o diretor resolveu que somente a computação gráfica seria capaz de fazer jus à magia visual do livro, sem perdas que deixassem a obra sem graça. O Expresso Polar é um filme totalmente feito em computação gráfica, não da maneira que os filmes da Pixar o são, mas sim da maneira que o também visualmente fantástico Final Fantasy o foi: tentando recriar a realidade.
A lentidão do ato inicial do filme não justificaria a escolha do diretor, e quem não conhece a história original pode ficar se perguntando se fazer o filme em computação gráfica foi realmente necessário. Porém, assim que a viagem dentro do Expresso Polar tem início, com suas loucas aventuras, é fácil ficar agradecido pelo filme ter sido feito com tal tecnologia. A história é simples: é um conto de Natal sobre um menino que não acreditava mais em Papai Noel e foi “convocado” para ir ao Pólo Norte logo antes da meia-noite de Natal com um grupo de crianças. A partir daí, os acontecimentos são como um grande sonho para os espectadores, de personagens, lugares e situações das mais esquisitas. Um delírio visual!
O aspecto visual, então, acaba sendo de longe o fator mais positivo do filme. Sem correr o risco de afirmar algo equivocadamente, digo que é um dos filmes mais belos dos últimos 10 anos no cinema. Claro que isso somente é possível pela computação gráfica de ponta. Algumas cenas parecem quadros valiosos, como as cenas no Pólo Norte, por exemplo. A movimentação de todos os personagens também ficou extremamente orgânica e realista. O único ponto negativo nesse quesito são as fraquíssimas, quase risíveis, expressões faciais, onde os olhos dos “atores” denunciam muitas vezes sua origem irreal – o que não é suficiente para nos fazer, em alguns momentos, confundir imagem em computação gráfica com imagem real.
A maior comparação visual (e a mais óbvia) seria com o filme Final Fantasy: The Spirits Within, de 2001. Esse filme, quando lançado, gerou receio entre a comunidade artística ao fazer muita gente perguntar se atores digitalizados ou virtuais viriam a substituir um dia os atores reais. Discussão essa levantada novamente mais tarde com o filme S1m0ne. Mais uma vez digo que não é para tanto – se algum dia ocorrer isso não poderá mais ser chamado de cinema. Mas de qualquer forma O Expresso Polar representa sim, uma evolução em termos técnicos. Creio que o filme seja ainda mais realista que Final Fantasy, embora tenho a certeza que muitos não concordarão por este adotar um clima mais fantasioso, tirando assim muito da sensação de realismo.
Deixando agora o aspecto visual de lado, O Expresso Polar tem seu maior problema com o roteiro. É a velha história do personagem que não acreditava mais em Papai Noel e precisava “ver-para-crer”. Bem, assim até eu mesmo acreditaria. A redenção de nosso personagem, então, não vem do seu coração (embora um truque barato de roteiro no final faça-nos pensar assim) e sim de seus olhos. Além do quê, durante todo o filme, o Natal é sempre encarado como “uma festa para ganhar presentes” (o menino pobre apenas ficou feliz quando ganhou o seu), e não de solidariedade e união entre as pessoas, em comemoração ao nascimento de seu salvador. Uma grande falha do filme então foi basear-se em um motivo tão material para existir. Um Conto de Natal, pequeno filme sobre um menino que queria ganhar um rifle de brinquedo, fez isso muito melhor e sem tanta prepotência.
Mas mesmo sua fraca moral não seria suficiente para fazer do filme algo ruim. Precisaria de algo mais que isso. Esse elemento é seu ritmo. Enquanto os personagens permanecem no Expresso Polar, o visual nos faz acreditar que o filme é magicamente divertido, com suas sequências de montanha-russa delirantes, mas logo que chega ao Pólo Norte ele perde ritmo e cai no lugar-comum de inúmeras aventuras infantis. A última meia hora do filme pode ser bem aborrecida para muitos. Números musicais tentam diversificar e melhorar a diversão, mas eles não se destacam muito, mostrando-se totalmente desnecessários, embora que razoavelmente originais. Infelizmente, o número musical de fechamento tenta dar ao filme um tom de Shrek, além de possuir um “convidado especial” bizarro, o que acabou destoando muito do resto do filme.
O Expresso Polar pode até ganhar o status de “pequeno clássico” natalino nos anos seguintes, mas não por possuir uma história fascinante nem personagens memoráveis, e sim apenas pelo seu visual absurdamente lindo. Essa qualidade é única, mas não é o suficiente para fazer dele um bom filme, até pelo fato de poder estar bastante envelhecido em 10 anos, por exemplo. Mas vale pela nova parceria entre Tom Hanks e Zemeckis. Hanks, aliás, deu uma de Peter Sellers, interpretando nada menos que seis personagens (incluindo Papai Noel e o garotinho), provando mais uma vez seu valioso talento, mesmo em computação gráfica. Recomendado para crianças e adultos verem uma única vez na época natalina.
Gostei da critica; mas não da nota!
Ótima crítica!
"O Expresso Polar pode até ganhar o status de “pequeno clássico” natalino nos anos seguintes"
13 anos depois, é interessante ver que isso acabou não acontecendo. Ninguém parece dar bola pro filme mais.