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Críticas

Cineplayers

Nem épico, nem bíblico.

6,0

Ridley Scott é o tipo de cineasta que nunca se sabe o que esperar. Do espaço sideral aterrorizado por um alienígena monstruoso à época dos gladiadores romanos, passando nesse meio tempo por histórias simples e cotidianas, ele jamais se firmou em um gênero ou proposta. Cada filme seu é pouco dependente dos demais, e sua obra no total é uma montanha russa irregular. Não é de admirar então que ele tenha aceitado comandar Êxodo - Deuses e Reis (Exodus: Gods and Kings, 2014), uma tentativa de épico bíblico à lá Os Dez Mandamentos (The Ten Commandments, 1956), de Cecil B. DeMille.

O primeiro problema está em apostar em um subgênero tão comercialmente inviável quanto o épico bíblico, que saiu de moda há mais de cinquenta anos e que hoje encontra certa resistência diante de um público muito mais cético e religiosamente diversificado. Por isso, nada de ser muito fiel à bíblia, mas também nada de ousar ser tão destoante assim dela. Scott apostou na mesma picaretagem de Darren Aronofsky em Noé (Noah, 2014), pegando apenas o criativo valor narrativo encontrado no livro de êxodo – aquele que narra a grandiosa e divina jornada de libertação do povo israelita das terras egípcias, comandada por Moisés – e o revertendo em um argumento de apelo comercial, tal qual uma aventura de matinê.

Também parecido com o Noé de Aronofsky, o Moisés de Ridley Scott não é exatamente o homem mais manso e paciente da terra, conforme descrito na bíblia. A fim de construir certa complexidade moral em volta dele, o diretor desenvolveu um personagem ambíguo em sua relação de fé com Deus, além de revoltado, impetuoso e guerreiro – ou um replay de Russel Crowe em Gladiador (Gladiator, 2000). Os demais personagens, incluindo o núcleo egípcio, são todos interpretados por atores caucasianos, o que gerou certa comoção e protesto por parte dos que procuravam verossimilhança na trama e por parte dos mais sensíveis e não acostumados à eterna questão de cotas raciais nos blockbusters americanos. Claro que não há boa vontade que torne Sigourney Weaver crível no papel de mãe de Ramsés.

Com a desculpa de fazer de Êxodo um filme relevante, Scott procurou criar um paralelo com a atual situação no Oriente Médio, em especial no momento em que Moisés recruta o povo israelita para atos terroristas, com base em suas supostas habilidades militares adquiridas nos anos em que comandou o exército egípcio. No meio do caminho, o próprio diretor desiste dessa ideia, ao perceber que ela acaba por inverter os papéis de vilões e mocinhos, e essa variação com certeza arruinaria um filme que separa categoricamente o bem do mal, com a exceção do próprio Moisés.

Sendo assim, o que faz o filme valer a pena são os momentos em que Scott se livra do peso de tantas cobranças e simplesmente aposta na boa e velha aventura à moda antiga, munida de muitos efeitos especiais e correria incessante. Passagens como as dez pragas e a travessia pelo Mar Vermelho, independente da veracidade que possam ou não representar para cada pessoa, são por si só grandes ideias a serem executadas em uma tela grande, e Scott faz bom proveito delas, embora curiosamente não atinja a magnitude colorida e megalômana de DeMille, por mais que tenha a seu favor décadas e décadas de avanços tecnológicos. Por não saber mergulhar de cabeça nessa proposta de filme épico e também não se ater demais ao relato bíblico, Ridley Scott prova mais uma vez sua irregularidade e oferece com Êxodo uma estranha e inócua aventura perdida no tempo.

Comentários (10)

Marcos Freitas | domingo, 08 de Fevereiro de 2015 - 16:02

O filme ficou abaixo do esperado mesmo, frio na maior parte do tempo, superficial e faltou maior ousadia por parte de Scott, como vemos em Noé de Aranofsky.

Renato Coelho | terça-feira, 10 de Fevereiro de 2015 - 15:18

Gosto bastante do Ridley Scott, primeiro porque dirigiu dois grandes filmes, que estão entre aqueles que mais gosto: Alien e Blade Runner.
Discordo que a carreira dele seja irregular. Um cara que dirige pelo menos 3 filmes acima da média não pode ser considerado irregular.
Só por isso, acho que vale a pena assistir a esse.

Vinícius Aranha | terça-feira, 10 de Fevereiro de 2015 - 15:24

Ridley Scott tem 25 filmes no currículo e você considera ele regular porque fez uns três acima da média?

Abdias Terceiro | quarta-feira, 25 de Fevereiro de 2015 - 02:49

As melhores coisas desse filme são (nessa ordem): Beleza de Maria Valverde , atuação de C.Bale e efeitos visuais.

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