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Euller Miller Entre Dois Mundos

(Euller Miller Entre Dois Mundos, 2018)
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Sua nota

Críticas

Cineplayers

Suplantando o indivíduo

3,0

Euller Miller tem uma trajetória com certeza curiosa e vitoriosa, que pode inspirar muitos jovens em situação parecida com a dele. Nascido na tribo indígena kaoiwá-guarani, desde cedo ele quis romper com a obrigatoriedade de crescer naquele ambiente sem expandir seu conhecimento. Sempre motivado em evoluir sua aldeia junto com o aprendizado que traria de fora, Euller prestou vestibular e entrou no curso de odontologia, no Paraná. Ao sair do convívio entre os seus, Euller tem um encontro com uma realidade muito opressora pra um nativo como ele, constantemente exposto a preconceito e diminuição de suas capacidades. Em condição minoritária, o jovem tenta provar e superar dificuldades ainda mais complexas que qualquer outro aluno.

Com um personagem facilmente reconhecível como rico em menos de 10 minutos de longa, Euller Miller Entre Dois Mundos não justifica o empenho em acompanhar a trajetória do seu retratado por conta das equivocadas escolhas narrativas do longa. Ora, um filme que tem em seu título o nome de alguém e abandona esse mesmo alguém diversas vezes durante o processo, ainda que para contextualizar as questões macro embutidas em sua própria essência narrativa, não tem controle sobre a mesma. Euller é um jovem repleto de questões particulares que muito pouco ou nunca são acessadas, ao passo que prendem sua história a um único aspecto, empobrecendo suas curvas dramáticas e diminuindo sua frontalidade, que é colocada de lado.

Ainda que seu alerta seja poderoso e necessário - afinal, como alguém diz em dado momento, temos conhecimento de quantos índios são graduados em faculdade? - e os dados apresentados no roteiro de Severo impactem, o foco do filme deixa seu protagonista por tantas vezes até quase sua trajetória desinteressar. De perfil diferenciado dentro de sua comunidade, Euller Miller sem querer bancou com suas atitudes e com sua postura uma virada de perfil dentro do próprio lugar de origem, mas da forma como é tratado, sua personalidade é diluída constantemente em troca de um perfil exclusivamente educacional, e aí o personagem parece aceitar uma condição de porta-voz institucional da causa indígena.

De sua fala, respingam com sutileza e distanciamento questões sociais (ter passado dificuldades ao perder a bolsa estudantil durante uma greve) e sua vida particular (a palavra 'sexualidade' é pronunciada uma única vez, e só), mas nada explora o personagem, deixando-o à deriva para ser um veículo de uma causa maior. Esse poderia até ser a escolha da produção, mas a forma como o filme é apresentado remete a algo que deveria ter uma profundidade emocional que não é perseguida, deixando o rapaz protagonista em situação de apagamento das vivências que, de fato, o colocariam como refém dos tais 'dois mundos', também nunca explorado.

Ainda que tecnicamente o filme mantenha o padrão de um documentário qualquer, inclusive colocando a montagem pra intercalar depoimentos complementares de Euller onde o cabelo dele muda radicalmente de corte de uma cena a outra, é a escolha por não explorar o potencial humano de seu personagem-título o responsável por 'Euller Miller Entre Dois Mundos' nunca ir além de um alerta institucional sobre a educação indígena e suas benesses, esquecendo seu protagonista em nome de uma causa maior, com isso dando ênfase ao social e deturpando a narrativa e o que o longa poderia ter de cinematográfico.

Crítica da cobertura da 3ª Mostra SESC de Cinema de Paraty

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