4,0
A configuração do espaço era o principal elemento de tensão e medo no excelente Os Estranhos (The Strangers, 2008). O casal interpretado por Liv Tyler e Scott Speedman se encontrava encurralado em uma casa isolada no meio do nada, rodeada por três mascarados tentando entrar a qualquer custo. O horror reside na simplicidade cruel da situação: não há para onde correr ou como pedir ajuda, não se sabe quem são os invasores, por que querem entrar e o que pretendem fazer. Resta apenas a opção de enfrentá-los ao longo de uma noite aterrorizante. O diretor Bryan Bertino teve êxito principalmente ao demonstrar habilidade para sustentar a premissa até o seu limite, mesmo com as limitações de espaço e o elenco enxuto. Em trabalhos como este, menos é mais, e quanto mais encurralado se encontra o casal, mais assustador o filme se torna.
Ao longo da última década, o trabalho de Bertino acabou ganhando um status de cult, sendo redescoberto e mais apreciado do que na época de seu lançamento, quando foi tratado apenas como um terror do segmento home invasion como outro qualquer. Hoje, seu incrível trabalho de direção, edição, iluminação e som é reconhecido como um dos mais certeiros do cinema de terror recente. Não é de se admirar então que sua recente valorização tenha inspirado a famigerada sequência que sempre surge cedo ou tarde quando um filme de terror é minimamente apreciado. Os Estranhos 2: Caçada Noturna (The Strangers: Prey at Night, 2018), com argumento de Bertino e direção de Johannes Roberts, nasce apenas dessa necessidade hollywoodiana de explorar qualquer possibilidade de franquia, jamais se equiparando em qualidade ao filme original, embora seja desenvolvido dentro da mesma lógica dele.
Agora o elenco é maior, o cenário é maior (um acampamento de trailers à lá Crystal Lake) e o trio de mascarados não guarda mais aquele mistério macabro que tanto aterrorizava antes. O subtexto da relação fragilizada do casal se partindo na urgência de uma tentativa de reconciliação quando diante da ameaça externa, aqui é um drama ordinário de pais e filhos tentando se entender. Roberts é um diretor com certo grau de competência, elaborando cenas inspiradas (como a tentativa de assassinato na piscina) e bons jogos de luzes. Os problemas nisso tudo são, sobretudo, dois mais cruciais: a traição do conceito promovido pelo primeiro filme e a indecisão sobre como conduzir a narrativa.
O filme original era todo trabalhado em cima de sugestões, pistas falsas, incertezas, residindo o medo na total ausência de sentido e motivação nas ações promovidas pelos vilões sobre o casal. Quanto menos se sabe, mais indecifrável – e mais assustador – se fica. O medo do desconhecido é sempre o maior dos medos. Já na continuação, tudo se configura como uma simples caçada, em que os assassinos não mantêm o ar de mistério por muito tempo e simplesmente partem para a simples correria atrás das vítimas.
Como consequência, o filme acaba se enquadrando aos poucos no formato de um slasher vintage, evocando clássicos como O Massacre da Serra Elétrica (The Texas Chain Saw Massacre, 1974), Sexta-Feira 13 (Friday the 13th, 1980) e A Hora do Pesadelo (A Nightmare On Elm Street, 1984). Talvez uma proposital tentativa de desconstruir toda a lógica da obra de 2008, aqui os estranhos perdem as máscaras, falam, acabam mais expostos e penam para alcançar as quatro vitimas histéricas. Se foi intencional ou não, esse distanciamento do conceito original e tentativa de se aproximar de um filão adolescente mais popular matou o que havia de mais especial e único no argumento de Bertino.
Uma vez distante demais do primeiro filme, a segunda metade desta continuação perde o fio condutor da narrativa e soa inverossímil e boba. Não faz sentido, por exemplo, que nesse universo um assassino sobreviva a uma explosão de um carro e continue perseguindo sua vítima com um machado como se nada tivesse acontecido. Faria sentido se Os Estranhos se passasse nos universos ilógicos dos slashers, com Jason Vorhees sempre retornando do mundo dos mortos e Michael Myers conseguindo sobreviver a tiros e explosões sem nenhum arranhão, mas depois de uma base tão sólida e pé no chão construída pelo primeiro filme, é simplesmente inverossímil que a condução leve a trama por um caminho absurdo desses. Inspirado nos terríveis assassinatos de Keddie, nos anos 1980, é impensável que um filme que se assuma como fruto direto de um caso real se preste a uma virada como essa. Sobra a sensação de que tudo não passa de uma grande brincadeira, mas aí já é tarde demais quando as máscaras literalmente caem e a iniciativa se revele como tal.
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