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Críticas

Cineplayers

O primitivismo do humor, por Peter Bogdanovich.

8,5

Peter Bogdanovich trilhou caminho inverso ao restante dos diretores da Nova Hollywood nos anos 70. Intelectual pouco sociável, trocava as noites de drogas e orgias por jantares com figuras ilustres do cinema clássico, como Howard Hawks e John Ford, seus grandes ídolos e os responsáveis, junto de Orson Welles, pelo desejo que possuía de um dia se tornar cineasta. O reflexo desta sua postura nos filmes que realizou durante a década é perceptível: ao invés da ruptura do modelo clássico de cinema e a reprodução do cinema d’auteur europeu, marcas desse período inconfundível do cinema norte-americano, Bogdanovich filmou sua tese sobre o classicismo cinematográfico, emulando e sintetizando as principais características de seus diretores favoritos em filmes que pareciam perdidos no tempo, vindos lá dos anos 30 e 40.

Se A Última Sessão de Cinema é o mais fordiano dos filmes do diretor, Essa Pequena é uma Parada é o filme de Howard Hawks by Peter Bogdanovich. Através desta brincadeira com Levada da Breca, clássica comédia de Hawks protagonizada por Cary Grant e Katharine Hepburn, Bogdanovich resgata o que há de mais primitivo no humor. Não há qualquer sátira, ironia, sarcasmo ou contextualização social e temporal de que possa ser acusada uma sequência sequer: o charmoso universo do filme se fecha em suas piadas singelas e efêmeras que, para além do filme, não existiriam. Vivem do cinema, para o cinema e não representam nada além de sua tentativa de fazer humor com os artifícios mais puros possíveis: basicamente, a imagem e o som em sua total crueza.  

E tudo funciona de uma maneira inacreditável. Se o próprio Hawks havia dirigido Jejum de Amor, que calha a ser a melhor comédia já feita, Bogdanovich resolveu aprontar uma grande sacanagem e coloca o posto de seu mestre à prova. São pouco mais de 90 minutos de filme e praticamente não se passa um mísero minuto deles sem dar ao menos uma gargalhada. Nos momentos mais inspirados, como na sequência do quarto em chamas, podem escapar umas dez. No caso desta própria sequência, e também em outras, há situações em que três ou quatro ações diferentes estão acontecendo em um mesmo plano e todas elas com o propósito de fazer rir. É a comicidade do caos e do absurdo, e nada poderia se encaixar melhor em um filme cuja celulóide parece ter sido fabricada com cafeína.

A agilidade e urgência do senso de humor é um dos grandes ensinamentos de Hawks aprendidos por Bogdanovich. As piadas, até mesmo por conta da própria inocência e crueza, são efêmeras, e parecem pensadas estrategicamente na narrativa para não deixar o espectador ter tempo de tentar refletir o filme que vê – que é todo de superfície, não há o que pensar sobre o que não está em tela. O ritmo de Essa Pequena é uma Parada é ininterrupto e flui tão bem quanto nos melhores momentos de Hawks. A confiança de Bogdanovich em seu material parece tamanha que não há uma tirada cômica sequer, um tombo em segundo plano ou qualquer outra coisa que seja, que não parece fruto de uma fórmula precisa. A matemática finalmente usada pelo bem do cinema.

Bogdanovich, um devoto da sétima arte, promovia à época um cinema semelhante ao que faz hoje Quentin Tarantino: deslocado da realidade em que está inserido e consciente de que o cinema, enquanto arte de expressão, pode se bastar sozinho, sem nenhum fator extra. É a voz dos cinéfilos de todo mundo sendo transformada em filmes por dois caras que, antes de profissionais da indústria, são verdadeiros apaixonados. Bogdanovich acabou perdendo-se com o tempo em sua arrogância e interrompeu a sequência de obras-primas que realizava para desaparecer junto de boa parte da turma da Nova Hollywood setentista. Já Tarantino permanece firme e forte, e diferente de Bogdanovich não tem com quem competir por status e fama, afinal a criatividade no cinema norte-americano nos tempos de hoje não chega a 10% da que existia naquele tempo.

É esperar que Quentin não caia no mesmo erro de Peter, caso contrário vamos precisar de mais duas décadas para que um novo fã de Hawks apareça para mostrar do que é feito o cinema.

Comentários (1)

Marcus Almeida | terça-feira, 22 de Novembro de 2011 - 23:52

É esperar que Quentin não caia no mesmo erro de Peter, caso contrário vamos precisar de mais duas décadas para que um novo fã de Hawks apareça para mostrar do que é feito o cinema.

Facepalm

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