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Escravos de Jó, Os

(Os Escravos de Jó, 2020)
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Críticas

Cineplayers

Um caminho de excessos

4,0

Que Rosemberg Cariry é um patrimônio do nosso cinema, isso nem precisa mais ser debatido. Com serviços prestados continuamente e um longa anterior ainda a ser lançado de vigor inegável (Notícias do Fim do Mundo), o cearense já entrega nova produção em que a alegoria adentra aos poucos na narrativa que mais uma vez ele propõe de caráter explosivo, uma característica muito marcante sua. A ânsia de enfileirar um excesso de temas, discussões e desdobramentos para os mesmos, porém, faz de Os Escravos de Jó um filme aquém das inúmeras possibilidades perfiladas na tela.

Nada a ponderar sobre o realizador Rosemberg, mas o roteirista Rosemberg não conseguiu se desvencilhar do emaranhado que une a situações dos refugiados em diferentes estágios, tragédia grega, xenofobia, toques de racismo, romance entre culturas ancestralmente inimigas... e os arcos do filme são abertos mas não fechados, deixando não apenas as situações metaforicamente soltas como o próprio roteiro em igual situação, que ainda tenta englobar religiões de matrizes africanas no comboio de temas e apenas tornar deslocado um assunto que não consegue render, como alguns outros. 

Talvez todos os micronúcleos de situações do filme funcionassem separados uns dos outros, mas em conjunto não há desenvolvimento de conflitos preciosos (a relação entre os personagens de Antônio Pitanga e Everaldo Pontes, resumida a um encontro fortuito - e que encontro!; a ambiguidade do próprio Everaldo, um homem contra genocídios e a favor da deportação de refugiados; etc), e situações desenvolvidas com acertada singeleza e simplicidade, como um romance entre professora e aluno, não são aprimoradas, se perdendo pelo caminho.

Outro ponto a observar é o excesso de didatismo em grande parte das informações fornecidas pelo filme, que transforma seus diálogos em peças ora jornalisticas ora publicitárias, sobre seu discorrer. Ainda que algumas belas cenas sejam confeccionadas por Rosemberg e seu fotógrafo habitual Petrus Cariry como a das fotos sobrepostas na parede em silêncio, a mesma é sabotada na seguinte ao ser verbalizada com requinte de explicações até perder a validade. Ainda assim, o realizador e seu filho mais uma vez parecem empenhados em produzir planos de qualidade imagética infindável.

O excesso de distribuição de dados informativos dos diálogos não ajuda o elenco, que se sai com resultados apartados. Se os veteranos em cena ainda conseguem demonstrar naturalidade ao entregar tais informações, o grupo de jovens derrapa constantemente e evidencia sua falta de maturidade cênica; particularmente o casal formado por Silvia Buarque e Rocco Pitanga é dos maiores acertos da produção, funcionando por completo no pouco tempo de cena que têm.

Quando enfim o filme parece procurar um lado menos concreto que poderia tê-lo ajudado caso optasse pela fantasia desde o início, também aí Os Escravos de Jó deixa a desejar por igualmente não dar margem a esses personagens se fincarem como fábula, assim como também não conseguiam se valer na estrutura clássica-narrativa. A coragem em ousar ampliar a quantidade de linhas de desenvolvimento não foi o suficiente para gerar um filme uniforme, um projeto onde os excessos evidenciaram o todo sem lapidação. 

Crítica da cobertura da 23ª Mostra de Tiradentes

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