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Críticas

Cineplayers

Viva a imagem, a imagem viva.

4,0
Era Uma Vez Brasília abre com um encontro casual em uma passarela de Brasília. Nele, os personagens falam sobre violência, abuso, política e missões extraterrestres. O campo do filme assim está pavimentado. Era Uma Vez Brasília, a partir daí, antes mesmo dos créditos, se entrega ao poder específico da imagem; à imagem, segundo Adirley Queirós, cabe o resumo do processo de impeachment de Dilma Rousseff. 

A passarela do primeiro encontro segue o formalismo de Branco Sai, Preto Fica, filme anterior do diretor e que resvala à inventividade a cada momento por se assumir um filme de adaptação e narrativa social. Em Era Uma Vez Brasília ela será um campo de isolamento e preparação para uma missão, que encontra o passado brasileiro para justificar o momento atual da nossa política. Neste pequeno jogo de associações entre passado e presente, o que permanece é a imagem; a mesma que outrora carregava um peso fundamental em Branco Sai, Preto Fica, neste, está em ofício do esvaziamento. 

O rito da observação carrega certo luto que vem ao campo através de áudios que norteiam os momentos que tiraram Dilma da presidência: sua defesa, a votação dos parlamentares, o discurso de posse de Temer e os novos planos para o país. O estímulo é o de lamento, mas em sua fachada está a busca por momentos significativos puramente estéticos – a imagem viva. 

A ficção científica, o gênero que hospeda o filme, enfim, também será o motim para uma subversão, talvez a mais viva de Era Uma Vez Brasília – os personagens buscam, mas quase não há ação; soluções, tampouco. A viagem de quem não sai do lugar, uma metáfora desleal ao espectador, aponta: não há o que oferecer na terra que está em chamas – aqui, o voyeurismo de Adirley é mais evidente, com seus carros em chamas e os terrenos inóspitos que também servirão de autocitação, já que visitamos esses mesmos espaços e meandros racionais em A Cidade é Uma Só? e no ultra citado Branco Sai, Preto Fica

No páreo ficção científica versus realidade, o que impera é a sensação de sufocamento; a falta de espaço é a mesma quando Adirley filma em close ou plano-geral. O entorno estará dominado por grades, fumaças, chamas. As mesmas que acendiam a sensação de impunidade outrora, agora trazem a certeza de letargia. Uma imobilidade puramente cinematográfica, ou seja, a imagem que necessita estar viva, neste caso está morta. 

Cabe a questão se Era Uma Vez Brasília é mesmo um filme político propício à dualidade entre imagem e contexto. Pois se o filme se esvai, como um autoboicote em forma de queixa, a imagem morre mais uma vez. A lamúria treme ante ao discurso e sobra muito pouco a tirar desta experiência. Não é só a nave que se esfacela no encontro ao chão. 

Visto na 9ª Semana - Festival de Cinema

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