É de se questionar o que há para se fazer com a estética do found footage após tantos anos de invenções e reinvenções que essa proposta fílmica emprestou ao gênero do terror, principalmente. Mencionar A Bruxa de Blair (Blair Witch Project, The, 1999) já seria chover no molhado por si só, assim como o próprio desgaste que essa estética sofreu a cada exemplar que se aproveitava dessa identidade estética - A Visita (Visit, The, 2015), do Shyamalan, talvez tenha sido o último suspiro honesto desse sub-gênero até então. Até porque “honestidade” não é um dos adjetivos mais cabíveis para Entrevista com o Demônio (Late Night with the Devil, 2023), que acaba de chegar nos cinemas.
Isso porque, tematicamente, antes de ser um filme sobre possessões demoníacas, o projeto dos irmãos Cameron e Colin Cairns é sobre a veracidade da imagem: onde se encontra o limite entre a fabricação e o que é real? Para os diretores, tudo é invenção na imagem, até que nada seja. O que move os 90 minutos de projeção de Entrevista com o Demônio é a dualidade da encenação, e convenhamos, taí uma disposição que o cinema de horror comercial não tem encontrado tanto ultimamente.
Entrevista com o Demônio é, inicialmente, inteligentíssimo em situar sua ambientação num período conturbado da história estadunidense, e aqui estamos nos anos 70, em plena ebulição da violência desenfreada dos serial killers como Ted Bundy e John Wayne Gacy, desigualdades sociais e o boom dos cultos satânicos que atingiam a paranóia de um país fundamentalmente cristão. Dentro desse recorte, Jack Delroy (David Dastmalchian, que finalmente ganha um papel à altura de seu talento tão pouco explorado em Hollywood) é o apresentador de um late show, um desses programas noturnos de variedades, mas que se vê diante de um declínio após uma tragédia pessoal. Decidido a recuperar sua audiência, Jack planeja um especial de Halloween onde trará para o programa a jovem Lilly (Ingrid Torelli, um assombro), que alega estar possuída por um demônio, e que ao lado de uma parapsicóloga (Laura Gordon), se veem confrontadas por um cético (Ian Bliss), que diz conseguir desvendar qualquer charlatão.
A partir do momento em que é estabelecido que aquela é, na verdade, um registro de um momento que traumatizou a história da TV norte-americana, Entrevista com o Demônio se revela bem menos interessado no ápice trágico de sua narrativa, mas nos caminhos que o levarão até lá. Buscando seu sustento, os diretores trazem para o centro debates como os limites da ética televisiva, o sensacionalismo que acompanha isso tudo, e como já dito, a fina linha que define a fabricação das imagens. A expertise do recorte histórico facilita tantas temáticas surgirem na mesa, mas empaca quando o experimentalismo da estética found footage encontra dificuldade andar lado a lado com esse estudo ético.
Entrevista com o Demônio pouco sai da intenção do experimento, o que lhe condena a uma narrativa circular que, em dado momento, se atrapalha na escalada de seus próprios acontecimentos. O filme reencontra seu real valor em algo alheio a essa união entre temática e estética, que é a mistura entre o intencionalmente ridículo e o que existe de mais classudo na criação de uma boa atmosfera. Por mais que a estética found footage seja convenientemente abandonada em certos momentos (como os vislumbres de bastidores), os Cairnes abraçam as possibilidades de imagem com gosto, como é atestado na insanidade dos 10 minutos finais, talvez o que há de mais marcante no filme.
Claro, existe um notável estranhamento num filme tão empenhado em recriar sua ambientação setentista que faz uso de efeitos tecnológicos visivelmente modernos, mas até nesse desconforto imagético existe um potencializador na dubiedade das imagens de Entrevista com o Demônio. Falha no avanço nos seus temas, mas a força na manipulação do que vemos e questionamos (ou não) é extremamente poderosa. É a TV como receptáculo da maldade, no fim das contas. Algo como Tobe Hooper dirigindo o Programa do Ratinho. E mesmo que eventualmente empaque, taí uma ideia que carrega um valor dos mais respeitáveis no cinema de horror contemporâneo.
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