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Críticas

Cineplayers

O retorno da Disney para as animações de qualidade.

8,5

Enrolados é definitivamente a volta da Disney ao seu bom caminho, que havia se perdido em algum lugar por volta de Mulan (idem, 1998). Desde então, o estúdio não havia mais conseguido achar um rumo, tentando encontrar um público diversificado que não se resumisse em meninas que gostavam de princesas ou meninos que gostavam de aventuras, vagando entre o humor descompromissado e as histórias grandiosas dos contos de fadas. Como se já não bastasse a crise de identidade, aconteceu no meio do caminho a animação em 3D, e com a qualidade dos filmes da Pixar, só restou à Disney fechar sua fábrica de sonhos em 2D, que durante décadas marcou a vida de tantas crianças.

A resposta inicial, além de distribuir os filmes da parceira Pixar, foi tentar fazer suas próprias produções em CGI, esquecendo todo o seu histórico de animações e tentando fazer algo totalmente novo. Os resultados foram abominações como O Galinho Chicken Little (Chicken Little, 2005) e Selvagem (The Wild, 2006), fracassos retumbantes que só empalideciam ainda mais quando postos ao lado de Toy Story - Um Mundo de Aventuras (Toy Story, 1995), Procurando Nemo (Finding Nemo, 2003) e Os Incríveis (The Incredibles, 2004). A segunda decisão da Disney foi consideravelmente mais inteligente: comprar a Pixar, e colocar a cabeça pensante de lá para comandar todas as suas produções de animação, John Lasseter. E para a felicidade dos fãs tradicionais, ele decidiu que já era hora das animações em 2D retornarem.

A primeira tentativa foi só isso. nada mais que uma tentativa. A Princesa e o Sapo (The Princess and the Frog, 2009) talvez tenha o mesmo valor que um Planeta do Tesouro (Treasure Planet, 2002), ou coisa que o valha. A Disney sabia de sua função no imaginário de meninas pelo mundo, que durante décadas, queriam ser princesas, como Bela Adormecida, Cinderela, Branca de Neve, Ariel. E daí surgiu a ideia de ter sua primeira princesa negra. Colocaram um príncipe anti-herói, para quem sabe atrair a atenção dos meninos, e se tudo desse errado, coadjuvantes divertidos pra tentar roubar a história. Infelizmente eles não eram engraçados, e não chegavam perto de um Gênio, de Aladdin (idem, 1992), ou Timão, de O Rei Leão (The Lion King, 2004). O seu fracasso voltou a ameaçar as animações da Disney, e a pressão para que a adaptação de Rapunzel desse certo era grande.

Todo esse prólogo para falar que Enrolados é mais que uma animação em 3D. Em tese, ela está na onda que Dinossauro (Dinosaur, 2000), ou o já mencionado O Galinho Chicken Little. É uma animação em CGI, sem ser da Pixar, mas aqui sim a Disney achou o seu caminho. Mais do que isso, encontrou uma nova forma de se fazer animação. Enrolados tem todo o estilo de um filme tradicional; é como se os animadores tivessem desenhado o filme, depois transformado em 3D. Nunca antes ambos os estilos estiveram tão bem combinados, utilizando o melhor que cada um tem a oferecer. O resultado é uma animação muito bonita de se ver, ao mesmo tempo ágil, com bons efeitos, sem perder a beleza clássica e aquarelada necessária pra um conto de fadas.

Tudo isso poderia ter servido para quase nada se o roteiro não fosse bem trabalhado, como o próprio A Princesa e o Sapo pôde provar. E a mudança de título de “Rapunzel” para “Enrolados” era um primeiro indício de que a Disney poderia estar trocando os pés pelas mãos novamente, ao tentar desesperadamente agradar meninos e meninas. Felizmente, a palavra-chave em Enrolados é equilíbrio. Se isso acontecia na animação, o mesmo ocorre na edição, que equilibra boas cenas de ação com momentos lúdicos de contos de fada.

Rapunzel talvez seja uma das princesas mais interessantes criadas pela Disney. Sua mãe tomou um remédio feito de uma flor mágica criada por uma gota de sol, típica de contos de fada, quando estava grávida. Como resultado, seu cabelo cresceu com poderes mágicos, podendo durar e recuperar a juventude perdida. Uma senhora com sério caso de Síndrome de Peter Pan sequestra a criança e a cria presa entre quatro paredes, em uma torre alta (de onde ela joga os seus cabelos para que os outros subam, já dizia minha avó). Rapunzel é claramente bipolar (como mostra uma sequencia divertidíssima onde ela questiona se deve ou não abandonar a torre), e durante um aniversário, decide finalmente realizar seu sonho de assistir o lançamento de milhares de balões que acontece todo ano, exatamente na mesma data. E não, não vou entrar no mérito politicamente incorreto do ato de soltar balões do lado de uma floresta.

Pra isso, Rapunzel precisa recuperar sua auto-estima depois de passar a vida inteira com uma mãe que a coloca pra baixo, que a convence que é feia, desajeitada, frágil e que não sobreviveria no mundo fora do seu quarto. Eis que surge em seu caminho Flynn Ryder, um ladrão que havia acabado de roubar exatamente sua coroa. A química entre os dois é imediata e o primeiro encontro já é hilário. Rapunzel o convence a levá-la para ver os balões, e em troca, ela lhe devolve a coroa. Ele aceita, acreditando que ela, munida de cabelo e uma frigideira, não vai ter coragem de seguir adiante com o plano. Flynn não é um personagem ruim. É até cativante, tem baixa auto-estima, vive em cima de um personalidade que não é a sua, tem boas cenas com todos os coadjuvantes, e funciona muito bem com a princesa.

Mas aqui reside o maior problema se você for assistir o filme nos cinemas brasileiros: a locução de Luciano Huck. Quando o filme começa, com a sua narração, parece que a torre vai ser invadida e reformada em um daqueles quadros que se proliferam na TV num sábado a tarde. E o mesmo tom, de locução de quadro de programa de TV assistencialista, permanece do início ao fim. Loucura, loucura, loucura. É sem dúvida uma das piores dublagens já feitas na história desse país. Um desrespeito sem tamanho, inexplicável. Colocar um ator global para dublar um filme, trabalho que muitos nunca fizeram e não são treinados para fazer, já era ruim o suficiente, mas colocar um apresentador foi o mais baixo que a Disney conseguiu chegar até hoje. Até onde eles estão dispostos a ir, denegrindo a qualidade do material, para conseguir mais público, ou mais publicidade? E pra piorar, não terão cópias legendadas no Brasil. Impressionante o esforço que alguns distribuidoras fazem para estragar um filme de qualidade.

E por falar em vilã, é preciso destacar Gothel, a senhora que não quer envelhecer. Sua tática para prender Rapunzel, a princípio, é genial e maquiavélica. Durante boa parte da projeção, os maiores danos que ela parece causar são todos psicológicos. E apenas quando simples armação e psicologia não parecem funcionar, ela apanha uma faca e parte para a violência física, lembrando por vezes a crueldade de grandes bruxas da animação, como a Madrasta de Branca de Neve e os Sete Anões (Snow White and the Seven Dwarfs, 1937), mas sem a beleza.

As músicas também estão no mesmo nível das grandes produções da Disney do passado. O compositor Alan Menken mostrou porque é mestre no que faz, com composições bonitas e suaves, que servem muito bem a história. Cada personagem com seu tema bem específico e todos muito bem encaixados. A música de Gothel, “Mother knows best”, poderia ser cantada por Úrsula, em A Pequena Sereia (The Little Mermaid, 1989), "I've got a dream" poderia estar no bar de Gaston em A Bela e a Fera (Beauty and the Beast, 1991). E comparar as músicas com as desses filmes é o maior elogio que Enrolados poderia receber. O único porém é que faltou uma música mais forte, uma “A whole new world”, ou “Can you feel the love tonight”. A música do casal, “I See The Light”, provável indicada ao Oscar, é boa, e serve bem pra trama, mas não é um tema inesquecível.

O que nos resta agora é torcer pra que a Disney se mantenha no bom caminho, sem esquecer da importância de um bom roteiro, e sem renegar as origens do 2D e continuando a equilibrar tão bem quanto aqui o antigo e clássico, com as novas e necessárias mudanças. E que a Disney Brasil comece a respeitar um pouco mais seu público.

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